Novamente em modo Fantasy and Science Fiction: The Human Mind, Our Modern World, desta vez olhando para obras específicas de Edgar Allan Poe e reflectindo sobre a suavidade negra da literatura gótica, cadência literária e elementos estilísticos.
The Oval Portrait: O assombramento da tristeza profunda, a ambiência do sentimento de perda são o grande mote deste pequeno conto. A paixão pelo ideal de beleza impossível fenecido pelo tempo, levado pela morte e fixado na tela sublinham a obsessão pela meditação depressiva tão querida dos românticos.
The Tell-Tale Heart: A obsessão conduz à loucura neste conto perfeito de um dos grandes mestres da literatura fantástica. A cadência dos pensamentos do assassino, exteriorizados nos batimentos audíveis apenas na sua mente perturbada, dão ao conto uma assinalável vertente de oralidade. A fixação com minúcias fermenta em demência na mente sensível e o escape possível é a aniquilação do elemento perturbador, mas a força do remorso interior agudiza a loucura.
The Facts in the Case of M. Valdemar: Dos contos de Poe este é aquele que me arrepiou desde a primeira leitura. O contraste entre a austeridade científica do narrador que nos relata o decorrer da sua experiência de hipnotismo realizada no limiar da morte e o tom cavernoso e sobrenatural daquele que está suspenso entre a morte e a vida é perfeito e cria a dissonância que provoca arrepios na espinha. A ciência desempenha aqui um pequeno papel, atendendo ao conceito à época contemporâneo da validade científica do poder do hipnotismo, mas Poe não está interessado nos meandros da descoberta, centrando-se mais no horror do além desconhecido.
The Black Cat: Ódio e obsessão colidem nesta história onde um homem violento que acredita não o ser espelha a sua violência sobre um gato que maltrata até à morte. É levado à loucura por um novo gato, sobrenaturalmente semelhante ao que estrangulou, que acaba por revelar ao mundo a violência sanguinária que tanto tenta ocultar.
The Fall of the House of Usher: Uma história que funciona quase como uma lista de elementos fundamentais do conto gótico. Mansão senhorial envelhecida de aspecto decadente? Visto. Isolamento numa vasta propriedade onde as árvores selvagens e o nevoeiro conferem uma ambiência de negrura? Visto. Personagens assombrados, de sensibilidade aguçada, atormentados pelos labirintos da mente? Visto. Toque sobrenatural onde acontecimentos inexplicados aterrorizam personagens já de si instáveis? Visto. Tragédia final que elimina aqueles que mergulham na demência oculta? Visto. Estes elementos são infindamente glosados na literatura e no cinema. O conto não é certamente o primeiro a reuni-los, até porque são elementos estilísticos comuns ao lado negro da ficção fantástica da época romântica que apelidamos de gótico.
O notável na poesia de Poe é a sua fortíssima cadência rítmica. Sente-se facilmente no poema The Bells onde é a linguagem que marca o ritmado dos sinos. Já em The Raven, poema que se sente melhor ouvido ou lido em voz alta do que na simples voz interior da leitura pessoal, o ritmo marcado colide com a sensibilidade neogótica cujas trevas e negrume se fazem sentir mais intensamente no ambiente de tristeza trágica de Annabel Lee. Para perceber o poder da oralidade e cadência rítmica em Poe nada melhor do que ouvir Vincent Price a recitar The Raven.