Condizente com o dia de S. Valentim, o tema das peças deste mês foi Por Amor. Para um anti-romântico assumido da minha laia, que olha para o funesto catorze de fevereiro como um resquício de velhos tempos em que lobisomens cheios de tesão andavam à solta para violar qualquer virgenzinha que apanhassem à frente e não como o festival de lamechices cor de rosa que é, um tema destes causa algum receio. Mas é o Teatro Rápido, pensei. É sempre interessante e inovador, com volteios inesperados aos temas propostos. E é também um prazer lá ir, ver as peças e beber uma bebida no bar acolhedor do teatro (com wifi gratuito, o que só acrescenta aos encantos para um agarrado ao tablet como eu).
Quatro salas, quatro peças, quatros bombas psicológicas a encantar, desconcertar e surpreender o espectador. Na sala 1, Onde é que Julgas que Vais, momento fortíssimo com uma fantástica Fernanda Neves a encarnar o papel de prostituta que sabe que é ao mesmo tempo mulher e objecto, momentaneamente enfraquecida pelo carinho de um cliente. Este, interpretado solidamente por João Passos, oculta a sua fragilidade debaixo de uma camada de masculinismo. A solidão e os pequenos gestos que a quebram mesmo nas condições mais inesperadas estão em destaque num ambiente de intimidade soturna.
A sala 2 reserva-nos surpresas desconcertantes com um casal que aparentemente parte da audiência começa a discutir e joga um curioso jogo de equilíbrios de forças em Não Sou Eu, És Tu. Um jovem Hugo Ramos e uma madura Rosa Villa colidem nos altos e baixos de uma relação de desigualdades de vidas, idades e experiências que tem em comum a paixão que os une.
Na sala 3 uma imóvel Cristina Areia, em pose de estátua quebrada por um inquietante sorriso de deleite sensual mergulha-nos num monólogo onde uma mulher de meia idade reflecte sobre a sensualidade e os tabus que enfrenta quem ao reconstruir a vida percebe que pode recomeçar novamente, e pode experimentar, apesar das sensações de experiência trazerem consigo o peso de mágoas ou remorsos. Goodbye é um momento dominado por uma actriz resplandecente.
Quem perdeu alguém, e a quem isso nunca aconteceu, sabe o peso da solidão opressiva, da espera por quem sabemos que não regressa, das memórias desesperantes e o eco do vazio na alma. Lídia Muñoz inquieta os espectadores com uma interpretação fortemente intimista em que a alma abalada da personagem se coloca a nu em Onde é que estavas quando te vi pela última vez. Na sala 4, um sofá, fotos e o olhar intenso da actriz a mergulhar dentro de nós.
Novamente, as peças curtas do Teatro Rápido tocaram a alma, inquietaram o espírito e intrigaram a mente. O formato e o espaço convidam à envolvência e a qualidade teatral revela-se cada vez mais apurada. Para março o tema é Em Nome do Pai e a programação já está disponível na página do Teatro Rápido.