sábado, 3 de março de 2012

Inexistência do local

Para quem não viaja, a literatura de viagens pode-se tornar uma forma estranha de ficção. Para aqueles que ficam em terra porque o dinheiro não chega para os quilómetros que se deseja fazer, ou falta de inclinação para fazer as malas e ir até aos recantos mais recônditos do globo. Afinal, como saber se o Japão percepcionado por Pico Iyer, o Chile percorrido por Luís Sepulveda, a América de Stephen Fry ou a vastidão da Patagónia descrita por Bruce Chatwin são locais reais, ou fragmentos da imaginação dos escritores? Sem lá ir, sem sentir o vento frio e a arquitectura das regiões distantes, nada nos garante que as palavras dos autores descrevam sítios tão imaginários como as féericas cidades invisíveis de Ítalo Calvino. Certo, estou a exagerar. Mas não resisti a este pensamento tido ao ler as primeiras páginas de Hav por Jan Morris, um guia de viagem a um local inexistente que aquando da sua publicação levou a solicitações sobre agências de viagens por parte de turistas aventurosos que gostariam de conhecer a cidade-estado presa à costa turca por um istmo montanhoso...

Não consigo deixar de pensar que todas as viagens literárias são no fundo périplos à volta do nosso quarto, como observaria De Maistre. O mundo é um local real, e podemos sempre pontapear pedras como o bispo de Berkeley para o demonstrar, mas a percepção que temos do mundo reside apenas dentro do nosso espaço mental. Uma duplicidade tão humana que pode tornar inexistente um local real.