segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Professores, Alunos e Facebook

O jornal inglês Guardian publicou um artigo onde se relata que não é boa ideia que professores aceitem alunos como amigos nas redes sociais, citando casos de conduta inapropriada por parte de alguns professores. Faz algum sentido. E agora faço como nos alcoólicos anónimos. Levanto-me e digo: sou professor e parte dos meus amigos no Facebook são alunos, actuais e antigos.

Quando a rede social mais utilizada rebentou na cultura de massas e começou a ser utilizada abertamente, embora em desrespeito pelas regras do site, por crianças, comecei a receber pedidos de alunos. E fiquei perante um dilema. Não aceitar o pedido seria a versão digital pós-moderna de não cumprimentar um aluno na rua. Aceitar seria abrir a porta para problemas possivelmente graves. Para resolver este dilema escolhi uma solução que me pareceu óbvia - adoptar um código pessoal de conduta no Facebook.

Não recuso pedidos dos alunos. E se em seguida vierem pedidos de encarregados de educação, também não os recuso. São bem vindos, e é sinal que estão atentos à vida digital dos filhos.  Pautuo as minhas interacções digitais por duas regras: não iniciar contactos e se uma criança contactar evitar conversar. O que significa que se estiver online e surgirem mensagens de chat de alunos, a minha resposta é um neutro smiley. Só se me for colocada uma questão específica é que uso mais do que a combinação de dois pontos e ponto e vírgula. Evito igualmente likes no conteúdo publicado por alunos. Resumo a interacção à resposta ao pedido de amizade. E se os alunos questionarem, digo-lhes expressamente que apesar de os ter aceite como amigos não considero apropriado que estejamos a conversar fora da sala de aula. Creepy é a expressão que utilizo.

Outra regra com utilidade para lá desta questão específica, é evitar publicar conteúdos inapropriados. O que significa que aquela imagem com uma rapariga bonita de seios desnudos que seria tão giro partilhar com um comentário para os meus amigos... não é partilhada (e como bónus ainda evito ofender e enfurecer sensibilidades femininas). A mesma regra se aplica a vídeos, ligações páginas ou até mesmo aqueles comentários com palavras escatológicas de cinco letras. Se é potencialmente ofensivo, não é boa ideia partilhar, a menos que se esteja a cultivar uma imagem de troll das pontes binárias.

Estão a ver aquelas fotografias tiradas naquela grande noite de copos de bar em bar em que estamos num estado próximo do lastimoso? Ou fotografias mais inócuas mas similarmente pessoais? Se calhar não é boa ideia colocá-las no Facebook. E mesmo que não tivesse crianças a seguir a linha de tempo seria à mesma má ideia. Se se quiser mesmo partilhar, basta ter algum cuidado e seleccionar quem tem acesso ao conteúdo. Aqui a minha regra é manter tudo público, excepto conteúdos específicos que partilho com um número restrito, muito restrito, de pessoas. Aquilo que colocamos online, por inerência do próprio meio, é visível e acessível por muito que queiramos acreditar no contrário. Uma das grandes questões não respondidas do potencial censório da tecnologia é precisamente o hábito cada vez mais instalado de instituições analisarem perfis pessoais de funcionários e candidatos a empregos, levando muitas vezes a repercussões públicas sobre comentários ou posturas privadas que noutras eras seriam invisíveis a estas entidades.

Nesta era hiper-ligada, em que estamos sempre ou quase sempre online, a vida digital tornou-se uma importante extensão da nossa forma de estar. E tal como fazemos na vida real, se queremos ser eficazes acabamos por adoptar uma persona digital, através da face da nossa individualidade que escolhemos mostrar ao mundo. O conteúdo que colocamos online, associado à nossa pessoa (porque há o enorme oceano de pseudónimos e anonimatos) reflecte aquilo a que queremos ser associados. Pessoalmente, adoptei uma persona semi geek semi artística e literata, que partilha informação que lhe cruza o radar sobre vida digital, tecnologia, ciência, actualidades e arte, bem como algo do que produz. Curiosamente, ouço muitas vezes na vida real comentários do tipo "bem, o professor coloca coisas tão estranhas" ou "não percebi nada do que partilhaste". Ainda bem. Se perceberem é porque já conhecem. Senão, é algo novo a descobrir, que é o grande valor deste admirável mundo novo digital, este vasto oceano de cultura que está acessível através da rede.