quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Kaos

... e pânico, é a reacção dos políticos e mercados à veleidade grega de querer efectuar um referendo. Sucedem-se antevisões de cenários catastróficos, receios de colapso total de sistemas (financeiros, note-se) e uma ameaça profunda à União Europeia. Sem querer entrar no que provocaria um não grego ao status quo - os procônsules do sistema financeiro estão claramente aterrorizados, esta nova tempestade sublinha um dos mais profundos paradoxos da construção europeia: tida como benéfica e democrática, assenta sobre decisões tomadas ao alto nível entre políticos e burocratas sem que as opiniões dos cidadãos dos países europeus sejam sequer ouvidas. E quando o são e as respostas não estão de acordo com o pretendido, há que refazer para que os meros cidadãos apoiem as decisões daqueles que sabem mais do que eles. O que aconteceu na adopção do tratado de Lisboa: a Irlanda efectuou dois referendos, porque o primeiro não teve a resposta esperada pelos líderes e a coisa teve que ir à segunda para que os ignorantes irlandeses vissem a sabedoria das decisões de Bruxelas. Aqueles que sabem mais do que nós acham que temos que dizer sim. E nem nos dão oportunidade de manifestar qualquer outra opinião. Chomsky, reflectindo sobre o NAFTA, observa que "the “agreements” are not agreements, at least if people are considered to be part of their societies: the treaties are generally opposed by the populations, and therefore have to be established mostly in secret, or under “fast track” provisions that provide the state executive with Kremlin-style controls, with Congress given the right to say yes (and in principle no, but without serious discussion or information), and with the public virtually or information), and with the public virtually excluded, thanks in part to media complicity". Por cá não é muito diferente. Troque-se congresso por parlamentos nacionais.

O que levanta a questão: é esta a Europa que queremos? Uma construção "democrática" imposta por elites rarefeitas e políticos de competência duvidosa reféns dos interesses financeiros que recusam as mais elementares expressões de cidadania por parte dos cidadãos que dizem representar? Esta nova fase da aventura da crise revela a sua real profundidade: esta não é uma crise económica, financeira ou institucional. É sistémica. O insustentável sistema interconectado, a teia global de legitimidades duvidosas, desregulamentação, mercados ditos livres e pura ganância está a colapsar sob as suas próprias incoerências e são os cidadãos comuns que são chamados a sacrificar-se para manter um status quo que lhe é prejudicial. Novamente, Chomsky: " neoliberalism as an enemy of democracy. While the evidence indicates that imposed liberalization has generally been harmful to development over history, causal relations can be debated even when there are striking correlations, because of limits of understanding and the complexity of factors. Much less so in the case of neoliberalism and democracy, however. Just about every element of the neoliberal package is an attack on democracy. In the case of privatization, that is true by definition: privatization transfers enterprises from the public to the private domain. In the public domain they are under some degree of public control, at least in principle; in more democratic societies, that could be a considerable degree, and in still more democratic societies, which barely yet exist, they would be under the direct control of “stakeholders”: workers and communities. But the private domain is virtually unaccountable to the public in principle, except by regulatory mechanisms that are typically quite weak thanks to the overwhelming influence of concentrated private capital on the state."

Talvez o sistema deva ruir. Porque o que temos não é justo e sustentável, e serve como um travão à cidadania, democracia, liberdades e direitos humanos fundamentais: financial liberalization therefore serves as an effective curb on democracy. Perhaps it is coincidence, perhaps not, but it is worth noticing that financial liberalization was introduced along with the growing concern of elites over what they called the “crisis of democracy” of the 1960s, when normally passive and obedient sectors of the society, often called the “special interests,” began to enter the public arena to put forward their concerns. The result was called “excessive democracy” that was too much of an overload for the state, which could not attend properly to the “national interest.”. Na corrente ideologia político-financeira a democracia é útil quando segue o caminho traçado pelos que zelam pelos ganhos a curto prazo de uma minoria em detrimento da sustentabilidade económica, social e ambiental.

Noam Chomsky (2010). Hopes and Prospects. Londres: Hamish Hamilton.