sábado, 30 de abril de 2011
The Silver Age of Comic Book Art
Arlen Schumer (2003). The Silver Age of Comic Book Art. Portland: Collectors Press.
Os comics até aos anos 60 não eram uma visão agradável. Formulaicos e baseados num estilo simplista, são interessantes apenas para os fãs mais irredutíveis, e mesmo assim... Os anos 50 trouxeram uma revolução ao mundo dos comics. Com os fãs das personagens e enredos simplistas que encantaram os anos 40 crescidos, o mercado encolheu e autores e editoras procuraram novos nichos. Foi a época em que proliferaram comics de género, dos românticos, westerns, ficção científica, terror até aos nichos mais desgraçadamente limitados como bombeiros ou baseball. Desta proliferação resultaram imensas experiências felizmente esquecidas. Os míticos Stan Lee e Will Eisner tentaram safar-se com comics românticos e de baseball, com algum sucesso inicial que depressa se desvaneceu.
São desta época pérolas como Tales From The Crypt e títulos similares de FC e Terror da EC Comics que desbravaram novos caminhos literários e de tal maneira chocaram as sensibilidades que Frederic Wertheim defendeu em Seduction of The Innocent que os comics provocavam sérios distúrbios no desenvolvimento moral infantil, o que provocou repercussões mediáticas, intervenções políticas, banir de títulos ofensivos e a instituição de uma norma de auto-censura pela indústria que se materializou na Comics Code Authority, que estabelecia linhas-guia sobre o que podia ou não ser utilizado nos argumentos e iconografia da banda desenhada. Em nome da sensibilidade social, comics chocantes ficaram de fora do mercado e inacessíveis ao grande público. Note-se, em tom opinativo, que os mais chocantes comics da EC se metiam em assuntos como o racismo, drogas, corrupção, visões anti-heróicas da guerra e uns contos ilustrados de terror cheios de pormenores macabros em quadricromia.
A questão das influências perniciosas dos media na mente juvenil não é nova. Goethe sofreu-a com o seu Werther, e atrever-me-ia a dizer que Sócrates seria talvez o primeiro percursor de alguém perseguido por esta questão. O meme continua activo e adapta-se à evolução dos tempos. Entre os herdeiros seguintes deste legado encontramos a televisão, filmes violentos no cinema, videojogos e correntemente a internet.O próximo new media será igualmente considerado pernicioso pelas intelligentsias dominantes. Não estou com isto a defender um free for all nos media, particularmente nos dedicados a públicos infanto-juvenis, mas a sublinhar que a reacção que temos é muitas vezes mais visceral do que baseada em factos concretos.
Das cinzas desta era experimentalista a indústria dos comics encontrou o seu nicho definidor, que ainda hoje explora com sucesso: os super-heróis. Virados para um público adolescentes, estes comics recuperaram personagens dos anos 30 e 40, actualizando as suas abordagens e redefinindo iconografias. É aqui que The Silver Age of Comic Book Art se centra: no trabalho revolucionário de um grupo bem definido de ilustradores que soube trazer à quadricromia elementos formais expressivos mais elaborados, longe do simplismo das épocas anteriores.
O livro concentra-se no trabalho revolucionário de ilustradores que levaram os comics a níveis estilísticos inauditos para a época: Carmine Infantino, que soube trazer a iconografia da grande arte para as vinhetas dos comics que ilustrava; Steve Ditko, que procurou expressividade facial e abriu o campo do surreal; Jack Kirby, estilizador das mais famosas personagens da Marvel e criador de elementos míticos para a DC Comics; Gil Kane, praticante exímio da figura humana; Joe Kubert, com um estilo menos polido mas rigoroso e expressivo; Gene Colan, que procurou novas formas de retratar o movimento nos limites estáticos da página; o fabuloso Jim Steranko, de capacidade compositiva irrepreensível e que trouxe o surrealismo e a pop-art para este media de consumo; e Neal Adams, um poeta da linha gráfica cuja elegância marcou e ainda hoje define a iconografia de alguns dos mais bem sucedidos personagens dos comics. De fora, talvez por não pertencer ao duópolo Marvel/DC, ficou Will Eisner cujo trabalho de raiz cinematográfica, uso do claro-escuro e traço inconfundível foi uma das influências-chave deste grupo excepcional de ilustradores.
O sucesso deste nicho não se explica só pela qualidade artística, mas também pela redefinição das temáticas às mãos de argumentistas como Stan Lee ou Bob Kanigher. A Marvel optou por humanizar os seus heróis - gostamos do Homem-Aranha porque, aranhiços à parte, é um tipo normal com problemas em pagar as contas. A DC seguiu a via de reflectir temas contemporâneos nas suas histórias, mostrando super-heróis viciados em drogas, abordando o racismo ou, no caso dos argumentos de Robert Kanigher, desmitificando a glória da guerra nas aventuras sombrias de personagens melancólicos como Sgt. Rock ou anti-heróis como Enemy Ace.
Também de fora do âmbito deste livro, mas a conclusão é irresistível, está a ideia que o trabalho destes ilustradores foi revolucionário a longo prazo. Estabelecendo novas iconografias e alargando os limites estílisticos, abriu caminho a que nos anos oitenta e noventa um grupo também fortemente dotado levasse ainda mais longe as fronteiras estéticas do género. O sucesso dos artistas da Silve Age influenciou e abriu caminho para a estética de ilustradores como os classicistas George Pérez e David Mazzuchelli, o surreal Alex Niño, o experimentalista Bill Sienkiewickz, o amante de ângulos inauditos Howard Chaykin, o tecnologista John Byrne e o exímio praticante da dualidade preto/branco que é Frank Miller.
Hoje os comics são uma bem estabelecida indústria de cultura popular, que goza da distinção de muitos dos seus produtos serem considerados obras de valor pelos públicos artísticos e literários. Livros como este The Silver Age of Comic Book Art recordam-nos necessário percurso que nos permite hoje divertirmo-nos com comics simplistas mas apreciar a complexidade e nível artístico de séries como Daytripper ou Sandman, sem esquecer o fértil campo das graphic novels.