domingo, 27 de março de 2011

Neonomicon


Alan Moore, Jacen Burrows (2011). Neonomicon. Rantoul: Avatar Press

Quando Moore revisitou Lovecraft fez algo mais do que actualizar os mitos de Cthulhu. Colocou-os num palco contemporâneo, completo com cenas culturais underground e cultos liderados por pessoas aparentemente comuns, mas gerou algo muito mais interessante do que uma simples versão século XXI de Lovecraft. Moore soube iluminar a grande ausência sempre presente da obra do autor seminal do género de terror: a sexualidade, verdadeiro espaço negativo nunca abordado na sua literatura rebuscada e barroca, mas sempre presente como forma de sublimação de uma certa misogenia não declarada. Ao fazê-lo, Moore consegue dar uma nova dimensão aos mitos, que se revela nas últimas páginas da série.

Neonomicon tem como principal protagonista uma agente do FBI com adição ao sexo que ao investigar um culto acaba por ser raptada por um núcleo de seguidores que mantém prisioneiro uma antiga criatura inenarrável. Repetidamente violada pelo ser animalesco, a agente irá acabar por gerar um filho, que nos revela a visão de Moore sobre os mythos lovecraftianos. Ao invés de ameaça das profundezas esquecidas do tempo e do espaço, Moore interpreta o conceito de um Cthulhu adormecido mergulhado nas águas como um feto em gestação, invertendo o sentido da obra de Lovecraft. Ao invés de um passado aterrador, espera-nos um futuro macabro, que se concretizará quando o ser que trará consigo a destruição da humanidade nascer de um ventre humano. Brilhante, como só Alan Moore consegue ser.