segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Nothing to Envy



Barbara Demick (2009). Nothing to Envy: Ordinary Lives in North Korea. Nova Yorque: Spiegel and Grau.

O que faríamos se toda a nossa vida fosse uma mentira? Se nos pedissem para suportar o insuportável em nome de ideologias isolacionistas que são instiladas no espírito desde a mais tenra idade, vivendo numa terra fechada ao mundo onde até os pensamentos mais íntimos são controlados? Parece um pesadelo saído de uma versão particularmente hórrida de George Orwell, mas é a infeliz realidade de milhões de pessoas num dos mais isolados países do mundo: a Coreia do Norte.

Paranóico, isolacionista e arreigado ao poder, o regime norte-coreano não hesita perante nada para manter o estrangulamento ideológico da população. Isolado e anacrónico, vai mergulhando o país num medievalismo cada vez mais profundo enquanto anuncia planos grandiosos mas raramente atingidos e investe em armas nucleares em nome de ameaças inexistentes. Mas isto sabe-se lendo a imprensa. A pergunta a que este livro responde é mais pessoal: como é a vida, a vida normal do dia a dia, neste país com este regime?

O retrato apontado nesta obra é atemorizador. É uma vida de medo e privações constantes, de eterna vigilância das mais simples palavras e atitudes, de fome enquanto o regime anuncia novas conquistas económicas. É uma vida onde os textos escolares mais simples exaltam os líderes do regime e retratam o exterior como terras de inimigos sanguinários. É uma vida onde os mais simples prazeres são negados ou inexistentes, em nome de uma ideologia colectivista fundamentalista. O culto da personalidade dos líderes é tudo, e aos cidadãos todos os sacrifícios são pedidos. Numa sociedade isolada, quase nada penetra que mostre às pessoas como é a vida real noutros locais, e o regime controla quase totalmente os meios de comunicação. Fundado numa promessa de progresso, o estado norte-coreano fossilizou-se numa interpretação muito própria do ideal comunista, perpetuando uma dinastia no poder retratada como se de divinidades se tratassem.

Apesar de tudo, alguns escapam. É a partir dos relatos de refugiados e dissidentes que Demick constrói a sua narrativa, traçando um panorama do que é a vida num dos países mais isolados do mundo. A vastidão de sofrimento humano é incomensurável, e é revoltante saber que no dealbar do século XXI milhões de pessoas vivem sob o jugo do que de facto é um regime feudal. Esta é uma leitura inquietante, que nos mostra como milhões vivem o impensável.