quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Quem vigia os vigilantes?



Dei por mim ontem já passados alguns minutos da meia noite a contemplar a adaptação do comic Watchmen para uma espécie de desenho animado. A animação era atroz e as vozes monocórdicas, mas mesmo assim fiquei agarrado ao poder do texto escrito por Alan Moore, elegante, rebuscado, intricado e cheio de referências circulares que imbricam as diferentes linhas narrativas. Recordou-me o porquê da minha paixão pelos comics.

Quando era um jovem adolescente na Lisboa do final dos anos 80, já leitor voraz, tive a sorte de em quase todas as bancas de jornais se encontrar as traduções brasileiras editadas pela Abril dos principais comics da DC e da Marvel. Depressa fiquei a gostar dos estilos visuais e das histórias de super-heróis, personagens que para um adolescente tímido, a sentir as limitações de um corpo em crescimento, permitiam sonhar com a ausência de limites físicos. Curiosamente, apesar das hormonas aos pulos, na altura não me apercebi a sensualidade e sexualidade explícitas das personagens femininas, sempre representadas com formas voluptuosas e fatos colados ao corpo. Fiquei mais fascinado pelas realidades alternativas, mundos fantásticos, e aventuras que hoje vejo como banais de personagens capazes de voar, lançar raios dos olhos, teleportar-se ou ter força sobre-humana.

Já voraz leitor de livros, depressa me viciei na banda desenhada, que me mostrava novas formas de visualizar a palavra escrita. Mas o gosto pelos comics não se alimenta só de super-heróis. Com o tempo cansei-me das histórias inverosímeis e repetitivas. De vez em quando revisito algum personagem clássico, só para ver como é que a coisa evoluiu, mas a verdade é que enquanto se vai amadurecendo essa vertente dos comics perde o interesse.

Até que por acaso descobri a obra de Alan Moore, também nessa época e naquelas edições de português brasileiro pré acordo ortográfico. O primeiro comic que li deste autor foi o seminal Watchmen. Ainda hoje tenho essa edição cuidadosamente guardada. Despertou-me a mente para as possibilidades do meio, mostrando que apesar de ser meio de comunicação de massas (em contraste com a BD francesa, que sempre se assumiu como artística) não precisava de ser simplista, desenhada sem pormenores ou estilisticamente inovadora. Levou-me literalmente à descoberta de um mundo, num equilíbrio precário entre convenções comerciais e criatividade estilística onde argumentistas e artistas brilhantes como Moore, Warren Ellis, Grant Morrison, Neil Gaiman, Bill Sienkiewicz, Dave Gibbons, Dave McKean, Alfredo Alcala, Howard Chaikyn, David Mazzuchelli ou Frank Miller, entre tantos outros, mestres na arte de contar boas histórias em arcos divididos em capítulos mensais de vinte páginas.

Tive sorte. Senão, como muitos da minha geração, continuaria a pensar que Banda Desenhada se resumia ao Asterix e ao Tio Patinhas, coisa pueril para abandonar assim que se decidisse crescer, sem qualquer seriedade. E a olhar para os fãs de BD como amantes imaturos das histórias aos quadradinhos.

(Já agora, Who Watches The Watchmen?)