segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O Pássaro Pintado



Jerzy Kosinski (2006). O Pássaro Pintado. Viana do Castelo: Livros de Areia.

Livros de Areia | O Pássaro Pintado

Ao terminar a leitura deste livro fiquei estupefacto com o seu carácter brutal. Não um brutal enquanto espectacularidade na acepção que agora gostamos de dar à palavra, mas como um reflexo do horror das profundezas da alma humana. O Pássaro Pintado é uma obra implacável, um mito aniquilador de mitos, uma visão desapiedada sobre uma humanidade embrutecida.

A obra narra as desventuras de uma criança que no início da II Guerra se perde dos pais aquando da invasão alemã da cidade onde reside e deambula por aldeias eslavas até ser recolhido por tropas do exército vermelho. Os locais da obra nunca são desvendados, deixando-nos supor que se passam algures por entre a Polónia e a Ucrânia. O horror da guerra das grandes batalhas e movimentos estratégicos passa ao lado deste livro, onde os torcionários alemães apenas se pressentem ao longe e os soldados russos são apresentados como uma força libertadora inspirada no ideário do partido comunista. A maior parte da história desenrola-se nas aldeias e florestas eslavas, que Kosinski pinta não com o ar bucólico que habitualmente associamos à pureza da vida campestre mas como locais embrutecedores, habitadas por gentes violentas, desprovidas de moral, supersticiosas, sem horizontes, bêbadas, interesseiras e capazes das maiores atrocidades para se beneficiarem. Aqui o livro é implacável, retratando sem dar hipótese de redenção alguns dos piores aspectos do espírito humano.

O pássaro pintado que dá nome à obra surge no início do livro, ao ser narrado um hábito de um dos camponeses violentos que acolhe o personagem principal, rapaz cujo nome nunca é desvendado. Este, para atrair a atenção de uma mulher louca que é usada por todos os homens da aldeia, pinta pássaros que captura com cores garridas e depois solta-os, tendo como única consequência a patética morte destes às bicadas dos restantes pássaros do bando. É uma desapiedada metáfora de como preferimos a uniformidade do grupo e rejeitamos violentamente aquilo que nos parece diferente, mesmo que seja parte de nós.