quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Business as Usual

E cumpri hoje um surreal dia de greve, em que fiz greve mas fui trabalhar. Infelizmente os servidores não prestam atenção a pormenores como lutas laborais e comecei a manhã de volta do servidor principal em que tudo funcionava bem excepto pelo detalhe de não permitir acesso a mais nenhuma máquina na rede. Chato, particularmente se é a máquina responsável pelo dhcp da rede e onde residem aplicações de gestão de arquitectura cliente-servidor. Ainda mais bizarramente, nenhuma máquina lhe acedia mas o servidor acedia a todas. Após algumas horas a bater na cabeça e com ajuda da cavalaria, lá foi descoberto o culpado - a firewall do antivírus do servidor estava a bloquear todo o tráfego inbound. Problema resolvido, e lá fui cumprir o dia de greve, para espanto e alegria dos alunos que me tinham visto e já pensavam que iriam ter aula.

É raro participar em greves, a menos que sinta que tenho razões fortes. Vendo a forma como as medidas draconianas do novo orçamento me afectam - redução no salário, congelamento na carreira, aumento das contribuições sociais acoplado com uma diminuição das comparticipações do subsistema de saúde a que pertenço, pagando mais impostos com a subida no IVA e com a cereja em cima do bolo, agravamento de escalão de imposto de rendimento por ser solteiro, pensei que ao menos devia protestar. Ainda perco mais, um dia de salário por inteiro. Fazer greve é uma dádiva à minha entidade patronal. E se dúvidas tivesse, a notícia que as restrições salariais no sector público afinal não serão por igual dissipou-as.

Também sei que a situação financeira do país não é famosa, e que são necessárias medidas difíceis. Sei-o pelas leituras que faço da imprensa estrangeira, pois não ligo muito ao catastrofista panorama mediático português. Seria um case-study interessante, analisar a correlação entre as notícias divulgadas nos telejornais e as necessidades políticas - há uns tempos falava-se de retoma económica, agora, hora do orçamento, o quadro é o mais negro possível, e tenho a certeza que dentro de quinze dias aparecerão melhores notícias a tempo de convencer as pessoas a abrir os cordões à bolsa no frenesi consumista do natal. Mas vejo que apesar das medidas restritivas, os desmandos financeiros continuam, os responsáveis pelo meltdown financeiro, salvos da bancarrota pelos erários públicos, continuam a fazer business as usual e todos os outros é que têm de pagar para que o país saia deste buraco. E penso: bolas! (bem, não exactamente, são outras palavras de cinco e seis letras mas não quero deixar eventuais leitores ofendidos com a crueza da linguagem), eu que trabalho muitas vezes para lá do meu horário sem compensações monetárias, que nas funções que desempenho (professor e administrador de sistemas com o pomposo título de coordenador de plano tecnológico) tento resolver os problemas que surgem evitando gastos desnecessários, e contido quando eles são necessários, ainda tenho que ser crucificado em nome dos mercados, tal como a maior parte da população portuguesa, enquanto ao alto nível reina o business as usual? Por isso, com um certo sentimento de inutilidade, aderi à greve.