quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Canino



IMDB | Dogtooth

Esta surpreendente obra de um cineasta grego é um daqueles filmes indescritíveis e perturbadores, que não se esgota em poucas linhas de reflexão. O argumento é intrigante. Numa propriedade isolada do mundo, vivem três jovens e a sua mãe, mantidos reclusos do mundo por um pai dominador que montou um elaborado esquema psicológico para isolar a família do exterior. O único elemento estranho é uma rapariga a quem o pai paga para tratar regularmente das necessidades sexuais do filho, mas que acaba por ser expulsa por interferir nos estranhos ritmos da família, levando-a a isolar-se ainda mais, com contornos profundamente perturbantes.

O filme oscila entre a comédia negra de acidez mordaz, o desconcertante e o assustador. No mundo de fantasia criado pelos pais, as incogruências são mais do que muitas, dando azo a momentos profundamente hilariantes. Quando o filho descobre dois zombies na relva (tinham-lhe dito que zombies eram pequenas florzinhas amarelas), quando a palavra pachacha é descrita como uma luz que se acende e apaga (num momento profundamente hilariante, ficam todos a olhar para o candeeiro do tecto), quando os gatos são descritos como feras violentas que devoram homens (os jovens tomaram contacto e assassinaram um simpático gatinho que teve o azar de entrar no jardim), quando o pai decide ir pescar sargos na piscina armado com um arpão, ou a variação à canção Fly Me To The Moon que é indescritível (nunca mais a ouvirei sem me lembrar do rosto dos actores neste filme). Estas incongruências paradoxais aliviam a profunda crueldade desta obra.

A vida e a natureza têm os seus ritmos e a capacidade de levar o ser humano a ultrapassar barreiras. Em parte, é esta a lição do filme. O normal despertar sexual dos jovens é pervertido pelo ambiente desajustado, em cenas que provocam revulsão pelo seu contexto. A única saída possível é, segundo o pai, o momento em que o dente canino cai. Uma impossibilidade, torneada pela filha mais velha, que arranca o dente a murro e se esconde na mala do carro do pai. O filme termina numa indecisão, com o pai a sair da casa isolada e chegar ao emprego, afastar-se enquanto a câmara se centra sobre a mala fechada do veículo.

Filme solipsista, perturbador e amarguradamente cómico, Canino é uma boa surpresa, embora pouco recomendável a estômagos mais fracos.