quinta-feira, 20 de maio de 2010

Moral e Bons Costumes

Ai do nosso país. Segunda feira o presidente da república veio anunciar muito a contragosto que se sentia obrigado a promulgar a lei que possibilita o casamento homossexual. Não afirmou abertamente não concordar, quem prestou atenção às palavras percebeu que ele tudo tentou fazer para eliminar esta medida incómoda, e quando viu que não conseguia decidiu não prolongar o inevitável. As reacções foram as previsíveis, com as habituais predições sobre o colapso moral do país e a ameaça à família enquanto instituição. É uma medida irritante para alguns, aqueles que gostam de viver a vida da maneira que consideram correcta e entendem que todos os outros a devem viver da mesma forma. Crise moral? É apenas uma lei. Aos deuses o que é dos deuses, aos cidadãos as leis. Crenças religiosas e legislações não se devem misturar.

Vale é que a moral e os bons costumes andam bem mantidos para os lados de mirandela. É o fait divers do momento: o caso da professora de actividades de enriquecimento curricular afastada da escola por ter posado para a playboy mais ou menos como veio ao mundo. A câmara municipal - empregadora da professora enquanto entidade gestora das aec e a escola agiram com celeridade mal os primeiros exemplares da revista esgotaram nas bancas da terra sob justificação que a docente não teria mantido "boa conduta". Pessoalmente penso que a ideia não foi das mais brilhantes. Nesta profissão, o contacto com o público tira-nos o anonimato nos locais onde trabalhamos e acções mais arriscadas têm consequências pessoais. Mas daí a afastamento do emprego vai uma certa distância. É que da última vez que verifiquei posar para fotografias, com mais ou menos roupa, não constitui crime. O que significa que uma pessoa foi afastada do seu local de trabalho não por falta de profissionalismo ou prática de crime, mas porque na sua vida pessoal fez qualquer coisa que desagradou aos seus superiores. O que levanta duas questões: que legitimidade tem uma entidade empregadora para penalizar um funcionário por algo pessoal que nada tem a ver com as suas funções, e até que ponto é que aceitamos cegamente que a vida pessoal se subordine aos interesses de uma entidade patronal? Vivemos, afinal, na época em que os gestores de recursos humanos visitam os perfis em redes sociais de candidatos a empregos para verificar se as suas actividades e escolhas pessoais se encaixam no perfil da empresa. O critério "moral e bons costumes" não é um critério válido para julgar uma pessoa. E é boa ideia lutar contra isto. Se hoje foi o caso de alguém punido por mostrar um pouco mais de anatomia do que o habitual, amanhã pode ser outro que, por exemplo, tenha na sua vida pessoal afastada da vida profissional um blog onde publique alguma coisa que ofenda o conceito de moral e bons costumes de quem o emprega.

O meu lado mais insidioso leva-me a pensar que nesta questão há aqui uma forte dose de ciumeira feminina. As pouco interessantes mulheres em posição de superioridade ficaram certamente feridas no seu orgulho pela exposição de um corpo mais... jeitoso (embora não para os meus gostos que prefiro coisas menos artificiais). Não foi Henry Fielding que disse que aquelas mulheres que mais defendem a pureza da virtude são as que menos precisam de defesa, mercê da sua falta de encantos...? (No admirável e divertido Tom Jones)

Fala-se muito das crises de valores, do desmoronar dos valores tradicionais na sociedade moderna. Pessoalmente penso que se passa o contrário. O que apelidamos de valores não são mais do que regras impostas por instituições (religiões, estados) com o fim único de controlar os comportamentos humanos. Creio que agora é que assistimos ao surgir de verdadeiros valores, humanos, individuais e sociais, que afirmam a superioridade do indivíduo equilibrada com a sociedade e o seu inalienável direito de viver a vida como entender, desde que tal não viole os direitos iguais dos outros. Das coisas que mais me chateia é ter alguém a sussurrar-me ao ouvido o que devo e não devo fazer, porque senão estou a manter má conduta/vou para o inferno/sou uma aberração da natureza que deveria ser queimada como herética nos fogos da inquisição.