quarta-feira, 19 de maio de 2010

Heresia

A mim não me chateia nada que hajam milionários e bilionários, que altos quadros recebam salários chorudos e prémios e compensações e mais dinheiro. Mesmo nada. Chateia-me é a quantidade esmagadora de salários mínimos e abaixo do mínimo, de salários médios que mal cobrem as despesas de quem não pertence a elites rarefeitas e tem a veleidade de querer viver uma vida digna. Não me chateiam as desigualdades; chateia-me o enorme fosso, verdadeiro abismo, entre ricos e pobres, aprofundado por crises em que só se exige sacrifícios aos que menos têm para manter a desejada estabilidade financeira que só parece beneficiar aqueles que mais têm.

Depois das loucuras totalitárias do século XX e dos anos de ouro de uma era pós-guerra em que se tentou minorar as desigualdades, a influência neoliberal da escola de chicago e afins levou a sociedade a evoluir em direcção às suas raízes vitorianas da era industrial. Eu sei. Leia-se regredir em vez de evoluir, era uma alusão ao discurso que piorar as condições de vida é uma coisa boa.

Cada vez mais sinto que estou a viver num romance de Charles Dickens. Sem final feliz. Até porque finais felizes só na ficção.

(Escola de chicago. Tem piada. Dos gangsters dos anos 20 aos novos gangsters do neoliberalismo dos anos 80. Curioso paralelo.)