quinta-feira, 22 de abril de 2010

Educação Digital (I)

Apelidamos as tecnologias digitais como novas tecnologias, esquecendo que a sua utilização alargada já conta com algumas décadas nos contextos sociais e pessoais. A taxa de penetração de computadores na casa das pessoas continua em crescimento; na economia e sociedade são poucos os sectores que não dependem de uma utilização alargada destas tecnologias. Na escola, a sua introdução tem sido mais lenta, em processos de actualização tecnológica que partem de um enorme optimismo inicial mas acabam por ter poucos resultados práticos. Parece haver um desnível entre a utilização de tecnologia na escola e na sociedade em geral, desnível perigoso que aponta para um fosso entre o que se espera da escola como sistema de preparação de futuros adultos e o que contemporaneamente consegue fazer.

Analisando experiências de introdução de computadores na escola, Cuban (1993) observa que apesar das discussões e investimentos no papel da tecnologia na reforma dos sistemas educativos, esta continua a ser pouco utilizada nos contextos educacionais, particularmente comparando o seu uso noutras organizações. O autor refere que a inovação tecnológica nunca foi o elemento central das discussões sobre mudanças curriculares até aos anos 90, quando se tornou parte integrante de retóricas sobre reforma educativa muito discutidas mas pouco implementadas. As razões para estas utilizações reduzidas prendem-se com questões financeiras, de formação e interesse das administrações escolares. Cuban refere que a tecnologia digital é pouco utilizada porque encerra um forte potencial disruptivo das normas educacionais, sublinhando que temos uma percepção fixa sobre o que deve ser a escola, como se devem processar aprendizagens e estruturar os espaços físicos escolares, que a utilização do computador tem o potencial de desafiar: “schooling is less vulnerable to electronic technologies than these other institutions for two reasons: First, certain cultural beliefs about what teaching is, how learning occurs, what knowledge is proper in schools, and the teacher-student (not student-machine) relationship dominate popular views of proper schooling. Second, the age-graded school, an organizational invention of the late nineteenth century, has profoundly shaped what teachers do and do not do in classrooms, including the persistent adaptation of innovations to fit the contours of these age-graded settings” (1993, p. 1). Os cenários de implementação variam entre um optimismo na disseminação e utilização, trazendo as prometidas revoluções no ensinar e aprender, e um ponto de vista conservador que utiliza o computador como apoio às metodologias tradicionais. Cuban refere que o cenário emergente de adopção será híbrido, com um lento progresso no tipo de utilização que se faz do computador na sala de aula e onde os principais intervenientes, os professores, irão determinar quais as utilizações mais eficazes: “It is not policymakers who determine computer use in schools; it is the practitioners” (1993, p. 13).

Akker, Keursten e Plomp (1992) observam que a integração das TIC na educação tem revelado pouco sucesso nas experiências, com utilização restrita ao drill and practice (Jonassen, 1996), e pouca integração com os currículos existentes. Os autores apontam como factores que afectam a implementação de tecnologias contextos nacionais de legislação, políticas educativas, tempo e recursos, valores e objectivos de inovação, atitude de líderes políticos e de opinião. A organização escolar, tirando partido de experiências com anteriores inovações, papel dos líderes, métodos de tomada de decisões, disponibilidade de recursos, cooperação e apoio, troca de informação. O apoio à utilização, através da formação em serviço, assistência técnica interna, formação de professores, intercâmbio e colaboração. O factor inovação reflecte-se na relevância da inovação para as necessidades dos utilizadores, clareza de objectivos, complexidade dos requisitos, qualidade dos produtos. Concluem que introduzir TIC beneficia se existirem materiais de apoio que demonstrem a pertinência, qualidade, utilização, mostrando aos utilizadores, neste caso os professores, possibilidades de integrarem ferramentas digitais na sua prática, bem como potentes softwares que sejam elementos de aprendizagem efectivos.
Resnick (2001) sublinha que a diminuição do custo da computação melhorou a sua acessibilidade, potenciando uma revolução na educação que poderá ser efectuada se a tecnologia digital não se limitar a ser utilizada como apoio a metodologias tradicionais de ensino, que Resnick apelida como obsoletas. Para este autor, introduzir o computador na sala de aula obriga a repensar profundamente os métodos educativos.

Já Warlick (2009) observa que as mudanças tecnológicas não se estão a reflectir na sala de aula, uma vez que mesmo nas que estão equipadas com tecnologias digitais as metodologias tradicionais de ensino mantém-se, centrando-se no discurso do professor, memorização, formalismo, aplicação de testes padronizados e sequencialidade de aprendizagens. Este modelo reflecte uma organização de tipo industrial que concebe a escola como linha de montagem,onde “children move along an assembly line, from kindergarten to Grade 12, where we install math, reading, science, and social studies – in compliance with government standards – blueprints that define and sequence what our students should be taught during their years of formal education. At the end of each year, they pass through quality control, where we use precision instruments to measure each student, assuring that they know the same things and think the same way” (2009, p. 1). Para Warlick a sociedade contemporânea pós-industrial requer uma gama diferente de competências das oferecidas por uma escola pensada para o modelo industrial. Em parte, o problema reside nos professores, formados antes da explosão do digital. Se as capacidades hoje e futuramente exigidas no mundo laboral passam pela autonomia, comunicação eficaz, colaboração e capacidade de inovação, envolvendo pensamento crítico, estas parecem ser desvalorizadas por um sistema de ensino centrado na aquisição de conhecimentos medíveis por testes padronizados. Warlick sublinha que a educação ignorou três tendências que convergiram na sociedade: um futuro de mudança dinâmica potenciada pela tecnologia, uma nova geração de estudantes habituados à flexibilidade multitarefa envolvendo competências de comunicação, questionar, interacção, empenhamento, experimentar, funcionar em rede, e um ambiente de informação pervasivo. As questões que se colocam à escola enquanto sistema envolvem o como ensinar uma geração de alunos em rede levando em conta a nova paisagem informativa, e decidir o que as crianças deverão aprender para fazer face aos desafios de um futuro imprevisível.

Thomas e Brown (2009) observam que o século XXI trouxe desafios ao corrente modelo educacional, uma vez que as práticas focadas em transmissão e transferência de conhecimento estático não respondem às mudanças rápidas inerentes à sociedade contemporânea e as práticas focalizadas em adaptação não respondem o suficiente, tornando-se necessária uma teoria que responda ao fluxo constante, ancorada numa teoria de aprendizagem: “we face a world today of almost infinite complexity, endless possibility, and near constant change. If our educational institutions and our informal learning environments are going to take advantage of these changes, our approach to education and learning needs to be as rich and complex as the challenges and opportunities we face” (2009, p. 15). O mundo do século XXI é caracterizado por uma sensação de mudança contínua onde sentimento de experiência alterou-se do vivenciar de conteúdos para uma construção social de contextos. A dicotomia entre media antigos (unidireccionais) e media electrónicos (multidireccionais) envolve os respectivos paradigmas de aprendizagem, colocando em oposição a transferência directa de conhecimento com a necessidade de teorias de aprendizagem que abranjam os media sociais, colectivos e participativos desenvolvendo capacidades actuantes: “The act of participating in new media provides a set of experiences that is fundamentally different from the experience one gets from engaging with tradition forms of media (particularly broadcast). We believe that the ways learning happens in the context of new media is also fundamentally different. Where broadcast media, as a one to many system, presumed that learning was a function of absorbing (or interpreting) a transmitted message, new media presumes learning to be a process of engaging with information and using it in a broader social context as a crucial part of what we describe as “productive inquiry”” (2009, p. 3). Os media digitais e em rede suportam formas de jogar e brincar que permitem que se navegue as complexidades de um mundo em constante mudança. Citando Huizinga, os autores recuperam a relação profunda entre jogo e cultura do conceito de homo ludens, na sua opinião expressa na totalidade com os media digitais, afirmando que “new media opens up the possibility of this kind of deep knowing by providing the agency to participate, create and build, with the recognition that building is always being done within and also continually creating and remaking a social context. Most critically, within the context of a networked imagination, making is a creative process which shapes the social context in which the creation itself has meaning” (2009, p. 7).

A capacidade interventiva apontada por Thomas e Brown é sublinhada por Prensky (2009) ao defender que o século XXI implica novas competências que permitam aos indivíduos serem capazes de seguir as suas paixões até onde for possível de acordo com as suas capacidades. Estas envolvem saber fazer o correcto (comportamento ético, pensamento crítico, estabelecer objectivos, ter bom julgamento, tomar boas decisões), o fazer (planear, resolução de problemas, autonomia, auto-avaliação, iteração), o agir em comunidade (assumir liderança, comunicar/interagir: com indivíduos e grupos, máquinas, audiências globais, através de culturas), agir criativamente (adaptar, pensar criativamente, experimentar e recriar, jogar/brincar, encontrar voz individual), melhorar os desempenhos (reflectir, agir de forma proactiva, correr riscos prudentes, pensar a longo prazo, aprendizagem constante).
Brown (2000) observa que a internet surge como um paradigma de tecnologia transformativa, similar a outras tecnologias que desempenharam o mesmo papel mas capaz de gerar transformações mais rápidas e abrangentes à escala global, onde o digital se constitui como meio de consumo e criação, potenciador de inteligência múltipla, observando que “with the Web, we suddenly have a medium that honors multiple forms of intelligence—abstract, textual, visual, musical, social, and kinesthetic. As educators, we now have a chance to construct a medium that enables all young people to become engaged in their ideal way of learning. The Web affords the match we need between a medium and how a particular person learns” (2000, p. 2). Para este autor, o conceito de literacia evoluiu, agora envolvendo leitura, visualização e multimédia, numa visão da aprendizagem como permanente descoberta online e em acção, alimentando-se de colaboração e experimentação em tempo real.