terça-feira, 17 de março de 2009

A Rota das Especiarias




John Keay (2007). A Rota das Especiarias. Cruz Quebrada: Casa das Letras

Ainda hoje as especiarias conjuram visões de exotismo, de delícias culinárias legadas por culturas distantes, de coloridas substâncias cujas fragrâncias suscitam visões de um oriente longínquo e mitificado. A Rota das Especiarias é uma visão histórica do fascínio pelas especiarias, susbtâncias cujo real valor é quase nulo mas que levaram a inúmeras viagens de exploração em busca dos enormes lucros da venda de especiarias.

As especiarias não apresentam uma função bem definida. Não servem para construir objectos, como a madeira ou o metal, não servem como substâncias medicinais. As especiarias são a pura luxúria do gosto, e durante milénios foram por isso a espinha dorsal de um mundo que já era globalizado antes da globalização ser definida. Um mundo em que os dois maiores impérios desconheciam a existência um do outro, mas onde sedas chinesas e especiarias orientais temperavam os pratos romanos, e onde o ouro romano circulava nos portos do extremo-oriente.

John Keay traça a história do gosto e da procura pelas especirias, desde as lendas da antiguidade clássica das trocas comerciais pela rota da seda, da tessitura comercial do islão e da índia, das viagens exploratórias árabes e venezianas, do controlo das rotas comerciais conseguido pelos navegadores portugueses (neste contexto, mais conquistadores do que navegadores, mas a nossa mitografia pessoal insiste na nobreza dos heróis da nossa história, mesmo face às tremendas atrocidades que cometeram), e terminando na banalização das especiarias após as guerras comerciais a ferro e fogo entre holandeses e ingleses pelo controlo das fontes de origem das especiarias. Os holandeses venceram, legando-nos a Indonésia, e os derrotados ingleses legaram-nos a América do Norte.

Este é um livro de périplo pelo mundo e pelas histórias, que mescla a historiografia rigorosa com curiosidades que despertam a atenção. E termina com uma nota sentimental. Após milénios de intensa exploração, as especiarias históricas perderam a sua importância. As novas especiarias, que associamos ao velho oriente, foram descobertas no novo ocidente e incorporadas na tradição oriental. A malagueta, associada aos picantes indianos, é um caso típico: descoberta no méxico, destronou a pimenta indiana e tornou-se símbolo do picante indiano. Talvez seja esse o real sentido do livro de Keay: mostrar, através de um detalhe da história, como toda história da humanidade é uma narrativa de interligações e influências, de como nenhum homem, nenhuma cultura, sobrevive isolada.