quinta-feira, 24 de maio de 2007

Expressão Livre

Acredita o meu bom amigo que algo neste país está a mudar e que a liberdade de expressão já não é o que era. Bem, se assim é, está na hora do finca pé, de ir à luta e correr riscos, em nome da defesa das nossas liberdades fundamentais. Coisa fácil de dizer para quem não tem três simpáticos filhos para alimentar, eu sei. Mas tem de ser. É a velha história, sublinhada pela conhecida citação de Edmund Burke, que nos diz que all that is necessary for the triumph of evil is that good men do nothing.. A razão pela qual os homens de bem se deixam estar quietos enquanto as forças opressivas manobram é precisamente a normalidade, a necessidade de ter um emprego e de providenciar as necessidades básicas à família, como o sublinhou Gitta Sereny no livro No Mundo das Trevas, em que entrevistou Franz Stangl, um austríaco que se tornou comandante do campo de concentração/extermínio de Treblinka. A história de Stangl é sintomática: longe de ser um nazi convicto (pelo menos, a acreditar na obra), Stangl era apenas um oficial de polícia austríaco que aquando do Anschluss decidiu colaborar com os nazis - porque não queria perder o seu emprego. Transformou-se, de forma quase imperceptível, de plácido polícia austríaco em sinistro carrasco de campo de concentração. Como este, há muitos outros homens, bons ou nem por isso, que se deixam levar, não fincando pé quando é necessário, simplesmente porque precisam do emprego, do dinheiro, da posição.

Apesar de me considerar homem bom, não deixo de temer pela minha profissão. É algo que ultrapassa a mera recompensa financeira para fazer face aos gastos do dia a dia (cada vez menor recompensa para cada vez mais altos gastos). É algo que tem a ver com a realização profissional e com o encontrar de um sentido para a minha vida através da profissão que exerço.

A estória do professor suspenso da DREN por causa das piadas ou frases sobre o nosso distinto senhor primeiro ministro (sim, escrevo isto com toda a ironia) anda no ar, levantando poeiras que muitos interpretam como um inusitado ataque à liberdade de expressão e que o meu amigo intrepeta como um sinal dos tempos que se aproximam. Eu não interpreto a coisa bem assim. Vejo neste fait divers um sintoma típico do lado mais obscuro da profissão docente.

Nem todos somos assim. A esmagadora maioria dos professores são profissionais competentes e esforçados que tentam ao máximo dar o seu melhor pelos seus alunos, criando novas experiências de aprendizagem e tentanto sobreviver num sistema educativo de um país que não sabe o que quer para o seu sistema educativo e que anda ao sabor de modas passageiras, debitadas dos suaves lábios de algumas almas iluminadas, pseudo-intelectuais que leram algures alguma coisa que acharam interessante e vai disto, agora todo o sistema tem ser assim, assado, cozido ou frito. Em dez anos que já levo de ensino já perdi a conta às teorias emanadas dos píncaros das torres de marfim. Sei que não é esta a imagem do professor que passa "lá fora", na comunicação social e na sociedade. Mas é assim que somos.

Infelizmente, também há uma pequena minoria, infelizmente influente, que disfarça a sua falta de competência em intriguice, inveja, maldade pura. São poucos, mas existem, e parece que vivem para prejudicar os outros - quer colegas quer alunos. São useiros e vezeiros em interpretar leis e em tentar atravancar aqueles que tiveram o azar de se atravessarem na sua mira. Parece-me que o caso da "falta de liberdade de expressão" é um típico caso destes que extravasou para os media.

Confessem lá: quantos de nós, especialmente funcionários públicos, é que não amaldiçoaram o primeiro ministro e as suas políticas? E quantos de nós é que não olharam para o país em que vivemos, para a nossa luta para melhorar este país, e, desolados e desanimados pela ignorância alastrante, pelo lodaçal nacional, não amaldiçoámos a nossa terra-mãe? Não quero aqui falar em pátria, não estou com paciência para ser conotado com a emergente (e aberrante) extrema direita.

Não é algo exclusivo à profissão docente. Certamente que outras profissões também têm os seus tiranetes de gabinete, os seus napoleões de vão de escada, os seus adolfos da reunião, os reis absolutos do seu pequeno império. É algo que infelizmente faz parte da condição humana.

O que é que realmente me angustia? Com este novo modelo de avaliação do desempenho dos funcionários públicos, quem é que irá avaliar? O profissional isento e competente, ou o tiranete do gabinete? Temo que em muitos casos o segundo prevaleça sobre os primeiros.