segunda-feira, 25 de abril de 2005

Leituras


Schismatrix

O site de Rudy Rucker
Bibliografia de Bruce Sterling
The Cyberpunk Project

Agora estou em fase de releituras, pegando em autores e livros que já li, mas não esqueci, desempoeirando os seus lugares nas estantes. É a melhor maneira de realmente saber se um livro é tão bom como nos pareceu aquando da primeira leitura. Se à segunda leitura o livro continuar a saber bem, a excitar a imaginação, e a obrigar-nos a continuar compulsivamente a virar a página mesmo sabendo como termina o enredo, sabemos que temos um companheiro para a vida. Um daqueles livros que iremos períodicamente reler, ao sabor dos nossos interesses, para refrescar aquelas ideias originais que, com o passar do tempo, começam a ficar esquecidas. Pega-se no livro, e pronto, toda a frescura das ideias, toda a excitação da prosa voltam a revelar-se, quase como se fosse a primeira leitura.

Há livros que se aguentam bem. O Ulisses, de James Joyce, os contos de H. P. Lovecraft, as Histórias Extraordinárias de Edgar Allan Poe, o Terrarirum, de João Barreiros e Luís Filipe Silva, ou o Senhor dos Anéis, de Tolkien, são alguns dos livros que se lêem e relêem, e nunca se esgotam. Alguns, de entre muitos. Não cabe aqui neste post o espaço para declamar todos os livros que se lêem e relêem sem que a sua frescura se esgote. Em compensação, o badaladíssimo Código Da Vinci não sobreviveu a uma segunda leitura. Da primeira vez que o li, o livro surpreendeu-me, como um thriller bem manufacturado com algumas ideias interessantes. À segunda leitura, apenas me ficou a boa manufactura literária do romance.

Mas vamos lá ao assunto. Duas re-leituras: Schismatrix, de Bruce Sterling, e Realware, de Rudy Rucker. Schismatrix é um dos melhores romances de FC ciberpunk que já li. Trata da Schismatrix, um futuro utópico/distópico com uma humanidade a aproximar-se da transcendência e a colonizar todo o sistema solar. Há várias clivagens entre a humanidade: existe uma interdição que efectivamente isola o planeta Terra de todos os contactos com a humanidade espalhada pelo sistema solar em estações orbitais e colónias em asteróides. Os filhos da terra isolam-na, e desprezam-na como um mero poço de gravidade. A humanidade colonizadora do espaço está também dividida em duas facções, Mecanistas (transcendência através da tecnologia mecânica e cibernética) e Modeladores (transcendência através da biotecnologia e condicionamento psicológico). Mas a humanidade não se integra perfeitamente nestas duas facções; o espaço é, por definição, espaçoso, e qualquer desvio ao padrão de ideias encontra o seu lugar num qualquer novo habitat espacial, asteróide pronto a minerar ou até mesmo nave espacial à deriva por entre os vários postos da civilização humana no espaço. No romance, acompanhamos a vida de Abelard Lindsay, um influente teórico modelador sempre em luta contra a corrente, que começa a sua odisseia de duzentos anos na república circunlunar Mare Serenitatis (dos primeiros habitats orbitais) com uma revolta contra a longevidade cada vez mais artificial da vida humana e termina a sua vida física abandonando o corpo, ajudado por uma presença alienígena, precisamente quando uma facção da humanidade por si inspirada começa a terraformar Europa (a famosa lua de Júpiter). Pelo meio, temos todo um desfile de brilhantes personagens pós-humanas, uma míriade fragmentada de novas ideias, novas tecnologias, novas humanidades, e uns curiosos extraterrestres à mistura, que apenas estão interessados no comércio de artefactos com a humanidade. Schismatrix foi a primeira obra de Bruce Sterling, reconhecido escritor de FC, futurista e que tem um belíssimo e estimulante blog, o Wired Blog , alojado pela lendária mas decadente revista Wired, para onde Sterling também escreve.

Realware também é FC, também é contemporânea, também é ciber, mas é totalmente diferente de tudo o que se possa imaginar. Rudy Rucker, o autor, é um cientista e matemático especializado em teorias multidimensionais - espaço-tempo, quarta dimensão, hipercubos e coisas assim. Li-o primeiramente num daqueles livros que me moldou, A Quarta Dimensão, editado pela Gradiva na colecção Ciência Aberta em 1991, um livro sobre a geometria dos espaços multidimensionais.

(Hoje até me apetecia falar um bocadinho mais disto, mas não assim tão para aí virado. Fica para uma próxima, prometo.)
A ficção científica de Rucker passa-se invariávelmente na confluência entre o nosso espaço tridimensional eo acesso/influência das outras dimensões espaciais. (Dimensões temporais são outra história.) E é sempre… psicadélicamente bizarra, é a descrição que me ocorre. O primeiro livro da tetralogia *ware está editado em português pela colecção azul de FC da caminho. Vão ler, porque a prosa de Rucker é uma daquelas prosas com a estranha capacidade de trocar uns quantos fiozinhos ao nosso cérebro.