terça-feira, 22 de março de 2005

Avaliar ou não avaliar...

Um professor pode fazer aquilo que lhe apetecer. Pode baldar-se, trabalhar pouco, bater nos putos, passar-se dos carretos, desaparecer, materializar-se vindo de outro universo, vestir-se de palhaço (ou qualquer outro disfarce colorido) e passear-se a pé pela faixa da esquerda de uma autoestrada. Só não pode é faltar a uma reunião de avaliação. Por nada deste mundo. Não há doença, justificação ou cataclismo possível para se evitar o tenebroso conclave de cérebros docentes que reúne no final de cada período lectivo.

God forbid!

Mas é possível sobreviver a um conselho de turma. Cá vão umas dicas, da parte de alguém já calejado nas sangrentas batalhas campais que se costumam desenrolar nas reuniões de avaliação.

1º conselho: gozar o prato. Vai sempre haver festa - ou por causa do aluno x, que se porta terrívelmente, ou das frases incomparáveis de algum docente com falta de neurónios. Quando isso acontecer, recostem-se. Acendam um cigarro. Apreciem a festa e deitem uma acha para a fogueira, se acharem a coisa um bocado morna. E se dois profes de repente começarem à pancada verbal, não se assustem. Com sorte, passam a vias de facto, e ficam com uma história memorável para contar.

2º conselho: ser subtil. Pessoalmente, prefiro desenhar. Um pda bem carregado com as notícias do dia ou uns jogos estratégicamente colocados em modo silêncio também servem para ajudar a suportar o tédio, com a vantagem de sempre nos podermos defender dizendo que estamos a tomar apontamento das notas dos alunos (com o bónus de nos considerarem atinados e tecnológicamente avançados). Cuidado: um professor de moral que conheci costumava ir para as reuniões ler livros de bioquímica e outros assuntos verboten. Ficou mal visto. Para além de distraído (desculpável) era culto (indesculpável)

3º conselho: se se for director de turma, ter já tudo decidido. É impensável que um grupo de professores tome uma decisão. Simplesmente não se faz. É também impensável impôr uma decisão a um grupo de professores. Ficam todos ofendidos com a presunção de quem tenta fazer o seu trabalho da maneira mais eficiente possível. Sabendo que qualquer discussão entre docentes pode durar eras geológicas sem que se atinja nenhuma conclusão, o que fazer? Deixar as cabeças pensantes sentenciar. Durante a discussão fazer rolar a decisão de antemão tomada. Deixar as cabeças pensantes desistirem airosamente das suas importantes opiniões. Ouvir com gosto os elogios por mais um caso bem resolvido. Exemplo prático: na avaliação de um daqueles alunos que não vê grande diferença entre estar na escola e estar na lua, rebuscar um daqueles artigos marados que nos permitem passar o miúdo de ano mesmo que na prática ele nada saiba. Deixar os crânios dizer mal do miúdo. Quando se atinge aquele ponto na discussão em que o desespero e a impotência falam mais alto, deixar rolar o dito artigo, que sairá com um autêntico milagre de fátima. Sacudir um pouco. Não deixar resfriar e passar ao próximo.

Outros conselhos: por hoje chega. Estou farto de profs e de reuniões. Não me peçam mais insights.