quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

The Perfect Police State


Geoffrey Cain (2021). The Perfect Police State: An Undercover Odyssey into China's Terrifying Surveillance Dystopia of the Future. Nova Iorque: Public Affairs.

É uma coisa ler sobre a forma como a China instrumentaliza as tecnologias digitais para construir uma prisão para as minorias das províncias mais longínquas. Outra, perceber através dos depoimentos daqueles que lá viveram, e conseguiram escapar, a real extensão da repressão exercida pelo estado chinês. 


A visão tecnológica têm o seu quê de fascínio perverso. Perceber a forma como os chineses estão a integrar a internet, video vigilância, reconhecimento facial, captura automatizada de dados de telemóveis e inteligência artificial é fascinante, de um ponto de vista técnico. Já social, é aterrador. Representa o pior pesadelo, a inversão total da promessa libertadora da tecnologia, agora usada como um instrumento repressivo perfeito: invasivos até ao âmago da pessoa individual, ubíquos e inescapáveis. E massivos, usados para condicionar a vida, reprimir, de milhões de pessoas.


Em Xinjiang, província chinesa nas suas fronteiras com a Ásia Central, terrra milenar das etnias uigures e turcomanas, o estado chinês combina tecnologias de ponta com velhos métodos repressivos para efetuar o que, na prática, é um genocídio. A repressão é profunda, desde a restrição total dos direitos mais elementares, possível com policiamento omnipresente, aos campos de reeducação, que servem quer como punição arbitrária de todos aqueles que o regime considera culpados, quer como mais uma forma de intimidação das populações. Tudo isto sustentado por um sistema digital incrivelmente invasivos.


Este livro fala-nos da infraestrutura digital da sociedade prisão chinesa, sublinhando que muitas das empresas envolvidas vão depois vender as tecnologias repressivas que desenvolvem pelo mundo fora, inclusive no ocidente. Toca nos jogos e ambições políticas chinesas, da estrutura do seu regime, da forma como usa todo o tipo de influência, especialmente financeira, para levar as suas intenções avante.


Mas o que nos toca são as histórias, construídas a partir de depoimentos de refugiados uigures que, mesmo longe da sua terra, continuam a sofrer a repressão e ameaças do estado chinês. São histórias dramáticas, de profunda repressão, de sujeição dos indivíduos à vontade de um regime, a qualquer custo. E uma visão da subtileza deste genocídio, que não precisa de pelotões de fuzilamento ou câmaras de gás  para exterminar uma população. O governo chinês é paciente, segue o caminho da esterilização forçada, repressão total e reeducação, para extinguir o indivíduo, aniquilar os sonhos, esmagar a cultura tradicional, arrasar a herança cultural. É um extermínio lento, limpo, discreto, possibilitado pelo uso de tecnologias digitais, e que é pouco falado nos palcos globais.