terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Space Forces


Fred Scharmen (2021). Space Forces: A Critical History of Life in Outer Space. Nova Iorque: Verso Books.

A evolução da forma como concebemos e imaginamos a possibilidade de viver no espaço é o tema central deste livro. Scharmen pega no iderário postulado por algumas das mais marcantes personalidades que ajudaram a moldar a nossa percepção de como poderíamos viver no espaço. 

Começa com Tsiokolsvky, um dos pais da astronáutica, explorando a sua ligação aos cosmistas russos, e intersecções com a cultura popular do século XIX, numa visão incipiente de expansão pelo espaço com utopia para uma humanidade imortal. Passamos a J. D. Bernal, cientista pacifista ao serviço de militares, que nos legou (ou melhor, como bem mostra o livro, consolidou, porque a ideia em si já flutuava na ficção especulativa) o conceito de esfera orbital habitável. Passamos a Von Braun, num capitulo que explora quer a visão utópica do cientista alemão, com as suas ideias sobre estações espaciais e expedições a Marte, exploradas em múltiplas vertentes que vão da ficção (com Mars Project) e divulgação científica ao projeto Apollo. Mas não esquece a herança negra do nazismo, dos foguetões como mísseis dedicados à destruição, e às condições desumanas dos campos de concentração onde prisioneiros desumanizados construíam misseis com a forma ogivada que se tornou icónica. Arthur C. Clarke fala-nos dos sonhos de expansão, e de como nos transforma profundamente.

De Tsiokolvsky a Von Braun, uma das grande vertentes do ideário sobre a exploração espacial parte da expansão colonialista, do espaço, dos planetas e corpos celestes. A influência contracultural dos anos 60 c0meça a reverter essa visão em direção a vertentes mais ambientais  e culturais. Algo patente na obra de Ursula LeGuin, ou em filmes como Silent Running, Soylent Green ou Logan's Run. Essas preocupações também estão patentes no trabalho de Gerard K. O'Neill, que propôs o influente conceito de vastas estações orbitais habitadas.

A NASA e os seus estudos exploratórios com as correspondentes iconografias, com destaque especial para as desenvolvidas pelo artista Rick Guidice, são analisadas sob o prisma do equilíbrio entre os sonhos de exploração espacial, e a realidade feita de colisão entre as condicionantes cientificas e a volatilidade das vontades políticas. O livro encerra com a visão hipercapitalista trazida pela privatização do espaço, confrontando a visão baseada em tecnologias específicas de Elon Musk, espalhafatosa mas muito difusa na sua visão de longo prazo, e a aproximação sistémica de Bezos, que replica no seu investimento espacial a visão infraestrutural que sustenta a Amazon.

Não temos bases lunares ou habitats orbitais que replicam a calma dos subúrbios no vazio espacial. Por enquanto temos algumas estações, frágeis artefactos de tecnologia de ponta, ao qual muitos poucos podem aceder. Mas não desistimos do sonho, e Space Forces mostra muito bem a forma como os nossos sonhos de viver no espaço surgiram e evoluíram, numa densa teia de influências filosóficas, estéticas, científicas, políticas, mas essencialmente com a continuidade da vontade de transcender os limites terrestres e, com a ciência, explorar e habitar a vastidão do espaço que nos rodeia.