Esta semana, destacamos os novos Brasis da ficção científica, o potencial renovador da entrada da Substack nos comics, e os arrepios causados por Malignant. Fala-se dos óculos-máquina fotográfica do Facebook, do modelar em 3D num iPad com Sketchup, do acervo de workshops e comunicações do Fab'16, e da alma na tecnologia. Ainda se reflete sobre a incapacidade irlandesa em aplicar o RGPD às grandes empresas da internet, dos prémios IgNobel, e dos anacronismos do delicioso Last Night Of the Proms. Outras leituras vos aguardam, nas Capturas desta semana.
Ficção Científica e Cultura Pop
Joe Benitez's Lady Mechanika: The Monster Of The Ministry of Hell: É bom ver o regresso de um comic que se tornou um dos pontos de excelência do Steampunk, agora numa editora grande.
Not All Robots: Dystopian Satire is AWA Studios' Funniest Series: E se os robots tivessem de trabalhar para sustentar os humanos? E se estes robots andassem fartos desta condição? E se os humanos estivessem fartos de ser cidadãos de segunda? Uma metáfora sobre toxicidade relacional e laboral, em tom de sátira pura.
Livro Outros Brasis da Ficção Científica (org. Davenir Viganon): Daqueles livros que dificilmente nos chegará, uma antologia da nova ficção científica brasileira.
Canada : Tintin, Astérix, Lucky Luke... On vous explique la polémique autour des 5 000 livres détruits par un groupe scolaire catholique: Queima de livros nunca é uma boa ideia. Censura com boas intenções não deixa de ser censura. Até porque, por errada que uma dada obra nos pareça hoje, décadas ou centénios após ser escrita e publicada, fingir que não existe não só não resolve os problemas por ela levantados, como nos impede de refletir no progresso social e de atitudes que mostrou, muito acertadamente, a injustiça de muitos ideários e comportamentos. Queimar os livros não vai fazer desaparecer estas ideias, por muito que se tente induzir amnésia histórica. No caso específico canadiano (ainda mais surpreendente porque esta estreiteza de visões costuma estar mais associada com o país de rednecks a sul do Canadá), a história ainda se adensa quando a mentora das fogueiras purificadoras, que o faz reclamando o crime de apropriação e ofensa às culturas nativas pelos seus criadores, não tem, ao contrário do que afirma, qualquer costela nativo-americana. Os intolerantes e fanáticos arranjam qualquer desculpa para justificar a sua cegueira.
Malignant: Lucio Fulci-Influenced Giallo May Change Horror Movies: Bem, o Malignant está a agitar o público. Confesso que depois de ler esta crítica, alguns pormenores do filme passaram a fazer sentido. De facto, há nele imensas homenagens referenciais ao giallo e aos filmes ultraviolentos de Hong Kong.
Book Review: In Watermelon Sugar, Richard Brautigan (1968): Intrigante. Desconhecia de todo que o poeta contra-cultural norte-americano tinha escrito um romance experimental de ficção científica, inserível na corrente New Wave que fez evoluir o género literário para além da iconografia gernsback continuum.
The Calculating Stars – Mary Robinette Kowal: Apesar de confessar que se esperava mais de um prémio Hugo que uma história que versa, essencialmente, sobre bastidores, este livro de Mary Kowal tem uma premissa, e desenvolvimento, muito interessante: uma realidade alternativa em que um cometa quase aniquila a humanidade, e na necessidade de resposta às estrelas, a sociedade é obrigada a deixar o machismo na ciência de lado. Algo que, mesmo com o peso da extinção por cima da sociedade, é difícil de mudar.
Hiroshi Manabe: Estética psicadélica japonesa.
David Lynch’s Dune is What You Get When You Build a Science Fictional World With No Interest in Science Fiction: Bem, mas é exatamente isso que torna Dune de Lynch interessante, a estranheza e bizarria advinda deste cruzamento entre um cineasta surreal independente e as estéticas tradicionais da ficção científica. A incapacidade de muitos fãs de irem além do básico nestas estéticas tem sido, consistente e ultimamente, um dos maiores problemas que se colocam às culturas de género.
The Birth of R2-D2: Douglas Trumbull ficou imortalizado pelos fenomenais efeitos especiais que desenvolveu para o filme 2001 de Stanley Kubrick, mas também realizou um dos mais interessantes, embora algo obscuro, filmes de ficção científica dos anos 70. Silent Running é notável pela forma como nos fala da importância da ecologia, e, claro, é um showcase do talento de Trumbull para efeitos especiais. Fãs e conhecedores sorriem ao recordar Huey, Louey e Dewey, os três robots ajudantes do guardião da nave-bioesfera do filme. O design destes robots foi uma influência direta para o desenvolvimento de outro robot icónico do cinema, o imparável R2-D2.
Malignant Is Bonkers. We Missed You, Horror James Wan!: Tentei ir ao Motelx, mas não consegui. No único dia que tinha disponível, as sessões que queria esgotaram. Para aplacar o bichinho do cinema de terror, arrisquei ir ver este, que por cá estreou como Maligno. E digo-vos, é tudo o que está na crítica e muito mais. Consegue ser simultaneamente interessante, imprevisível, previsível, formulaico e não formulaico, com atores secundários num imparável registo over the top que dá um ar camp ao filme, e um monstro inesperado entre o body horror e os jogos mentais. Não ficará clássico, mas diverte e causa arrepios, com momentos muito bem filmados.
James Tynion IV & Michael Avon Oeming's Blue Book for UFO Abductions: Porque é que o projeto da Substack é interessante? Porque pode criar as sementes para os comics mainstream finalmente se livrarem dos grilhões dos super-heróis. É coisa que por cá não temos, com a banda desenhada a estender-se numa gama que vai do mais comercial ao erudito, mas sempre com diversidade temática. A indústria americana é caracterizada pelo peso excessivo dos comics de super-heróis, aposta conservadora de editoras que vivem sob o lema "dá lucro, não mexe". De tal forma que quando pensamos em BD americana, pensamos apenas em super-heróis e não nos criadores independentes, contra-culturais ou eruditos. Apesar de me divertir a ler comics, sempre senti o enorme desperdício do talento de excelentes argumentistas e fabulosos ilustradores (e coloristas, tipógrafos, que os comics fazem-se em equipa) condenados a essencialmente refazer as mesmas histórias simplistas com os mesmos estafados personagens. Gostar de ler comics reduz-se ao apreciar da capacidade dos criadores nas suas variações do cerne dos personagens, o que é um espartilho enorme. Isto, apesar de haver editoras que dão espaço a criações mais livres, desbravando um nicho no lado mais comercial, a Dark Horse e a Image são o lado mais visível disso. Agora, aparece a Substack, cheia de dinheiro e a contratar artistas e argumentistas sem strings attached, apostando na sua capacidade para criar conteúdos novos, longe dos estafados modelos repetitivos da Marvel e DC. É uma sensação que tenho, e está bem patente nesta observação do argumentista James Tynion IV: ""If the creators taking this deal play their cards right, it means that we can rewrite the rules of the entire comic book industry on our terms, not the publishers. I don't think people are going to realize how big this can be right away, but if we're smart about it, this could be the start of a whole new paradigm in creator-owned comics."
Frank Brunner: Cenas pulp.
Last Notes On The Many Deaths Of Laila Starr: Um dos comics independentes mais poéticos dos últimos tempos, com um argumento fascinante de Ram V e ilustração fabulosa do português Filipe Andrade. A comparação com Daytripper é muito apropriada.
O futuro que talvez seja: Luís Filipe Silva recorda-nos o futurismo retro de Daniel Torres, ilustrador espanhol e criador de Roco Vargas, talvez das mais bem ilustradas BDs de ficção científica europeia.
17 major sci-fi and fantasy books arriving in fall 2021: Este outono será pródigo em lançamentos muito prometedores de ficção científica, e é interessante que o interesse na ficção científica chinesa se mantém.
Tecnologia
How Our Visual Culture of Credibility is Being Manipulated: Uma forma diferente de refletir sobre fake news, teorias da conspiração, e o abalo que o digital veio ter sobre a tradicional figura da confiabilidade mediática.
OpenAI Shuts Down GPT-3 Bot Used To Emulate Dead Fiancée: Às vezes, estas notícias parecem saídas de um episódio de Black Mirror. A série tem mesmo um episódio cujo enredo se centra no luto, e na emulação de um ente querido falecido através de inteligência artificial capaz de criar um simulacro através da análise dos seus dados digitais.
What if deepfakes made us doubt everything we see and hear?: No fundo, é este o problema trazido pelos deepfakes. Deixamos de poder confiar no que vemos, sem formas de perceber se o que vemos é real, manipulado ou artificial.
Turn Any Surface Into a Touchscreen: E se se pudesse usar qualquer superfície como ecrã sensível ao toque? É algo que permite estender os limites dos interfaces computacionais. Esta técnica baseada num projetor capaz de rastreamento por laser, apesar de ainda incipiente, é um passo nessa direção.
A Chinese EV startup wants to build a rideable robot unicorn for kids: Esqueçam os cães-robot, digam lá se a ideia de cavalgarem um unicórnio robótico não vos encanta?
Windows Movie Maker Redux? Microsoft acquires web-based video editor Clipchamp: Não sei se isto é boa ou má notícia. De facto, o windows não dispõe de ferramentas de video nativas, mas isso não é problema a diversidade de aplicações de edição de vídeo é muito grande. Perdoem-me (ou não), mas tê-las disponíveis como parte do SO só é útil para aqueles utilizadores que são mesmo muito limitados. Eu já tremo perante a ideia de nos grupos de professores, levar com os deslumbrados que chamam "criatividade" a aplicar templates e modelos, enquanto os que sabem aprofundar estas tecnologias ficam estarrecidos com essas almas simples.
Does Technology Have a Soul?: A resposta "não, então, qualquer tecnologia é sempre um aglomerado de compostos inertes" não é tão linear quanto isso. Porque a questão tem mais a ver com a forma como nos relacionamos com a tecnologia. É curioso que a autora deste ensaio sublinhe a diferença do mundo ocidental, que sempre separou completamente o físico do metafísico, com a perceção japonesa, para quem o animismo nunca foi incompatível com outras formas de ver o mundo.
A.I. Can Now Write Its Own Computer Code. That’s Good News for Humans: Podemos especular muito sobre automação e inteligência artificial, e a forma como poderão substituir os humanos. Mas o maior potencial destas tecnologias está não na substituição, mas no complemento, com as capacidades artificiais a aumentar as humanas.
Sunglasses Have Terms of Service Agreements Now, Thanks to Facebook: Provavelmente terão o mesmo destino dos Glass, até porque ao contrário dos primeiros, os óculos Facebook/Rayban não são de realidade aumentada, ficam-se pela recolha de imagens. Que, por questões de privacidade (se se começar a pensar no assunto, há aqui pesadelos legais iminentes) têm uma luzinha que avisa quando os óculos estão a captar imagens. Basta fita-cola para tapar o sinal, e é por isso que os óculos obrigam a aceitar termos e condições. São, no fundo, a forma habitual destas empresas se livrarem de responsabilidades - este ónus recairá sempre sobre quem usar os óculos. Estas coisas são um pouco como os traficantes de droga: se o consumidor morrer de overdose, a culpa é dele, que escolheu consumir, certo? (Claro que não.)
Music Copyright in the Age of Forgetting: Há o plágio direto, o pegar na criação de outros, fazer alterações e apresentar como algo totalmente criado de novo. Isso é pacífico, está bem estudado e é demonstrável. Também há o retirar consciente de pequenos excertos sem compensar os criadores originais, novamente algo que é bem conhecido. Mas nestas questões de direitos de autor e criação, há um lado mais nebuloso, o das influências e memórias, onde é possível que inadvertidamente um criador copie algo, sem se recordar da sua origem inicial. Algo tornado mais complexo pela própria natureza da criação artística, onde confluem sempre múltiplas influências.
A Single Laser Fired Through a Keyhole Can Expose Everything Inside a Room: Quem está ligado à privacidade e segurança pensa logo no potencial perigoso que isto tem, reparem que basta usar um laser num pequeno orifício para mapear interiores sem que ninguém se aperceba. Mas para já tranquilizem-se, porque a tecnologia tem ainda muito baixa resolução. Para lá dos óbvios usos menos recomendáveis, há aqui enorme potencial para scan 3D, ou investigação histórica, por exemplo.
Lost Ice Age Landscapes Buried Under the Seafloor Have Been Mapped by Scientists: Redescobrir terras perdidas com mapeamento sísmico 3D de alta resolução. Com esta técnica, antigas paisagens da era glacial que hoje estão soterradas debaixo de sedimentos e das águas do Canal da Mancha podem ser redescobertas.
PC, internet, smartphone: what’s the next big technological epoch?: Bem, há hoje diversas tendências que poderão vir a tornar-se a próxima época tecnológica. O artigo aponta alguns, se bem que estou a destacá-lo por outra razão, este conceito certeiro sobre a miopia da maioria do debate sobre tecnologias: " what the sociologist Michael Mann memorably called “the sociology of the last five minutes”".
Chattanooga newspaper hands iPads to subscribers in digital switch: Li isto porque me pareceu de um anacronismo tão, tão 1990: um jornal a passar exclusivamente para digital e fornecer meios eletrónicos de leitura aos seus assinantes.
The Third Revolution in Warfare: Que já está em desenvolvimento ou em uso - armas autónomas, cruzamento de robótica com inteligência artificial, capazes de alterar a forma como os conflitos se desenrolam. E de forma assimétrica, também, se é precisa capacidade industrial para um drone avançado pilotado por algoritmos, bastam componentes baratos para criar robots assassinos.
When every car is electric, what happens to fuel duty and the electricity grid?: Recordo que na viragem do século, a junta de freguesia da Ericeira foi pioneira no uso de veículos com combustíveis alternativos. Adquiriu carrinhas alimentadas por biocombustível, e organizou um sistema de recolha de óleos residuais para restaurantes e uso doméstico, para produzir o combustível para as carrinhas. Uma iniciativa exemplar, que deu numa tremenda multa das Finanças à junta de freguesia ericeirense. Porquê? Ao usar biocombustível, consideraram que as carrinhas estavam a esquivar-se ao pagamento do imposto sobre combustíveis (que incide na gasolineira). Não foi um sinal auspicioso para a necessidade de transição energética nos transportes. Recordei esta história ao ler este artigo sobre os desafios fiscais trazidos pelos veículos elétricos. À medida que o seu uso crescer, diminuirão os rendimentos de impostos sobre combustíveis, o que poderá trazer problemas fiscais aos estados. Soluções? Uma das sugeridas implica criar um imposto sobre os quilómetros percorridos.
FAB16 & FAB CITY SUMMIT 2021: A Fab Foundation disponibilizou o registo video do extenso programa de sessões, palestras e workshops do evento Fab 16, que decorreu em Montréal e online em Agosto. São horas e horas de ideias provocantes e projetos inspiradores.
A horrifying new AI app swaps women into porn videos with a clic: Que haja apps destas, não me surpreende. O que surpreende é serem tão poucas. As consequências disto para as vítimas podem ser fatais: imaginem um fake vídeo de pornografia gay, com a cara de um homem que viva num país onde a homossexuaidade é punida com a morte? Ou o constante estigma sobre vítimas femininas, sem culpa, sempre acusadas por causa das ações criminosas de quem se quis vingar delas?
Los míticos 'Command & Conquer', 'Red Alert' y 'Dune 2000' siguen muy vivos gracias a las adaptaciones Open Source de OpenRA: Uma excelente dica, para quem gosta de retrogaming. Graças a este projeto open source, antigos jogos clássicos são mantidos vivos, e compatíveis com os sistemas modernos.
Ebooks Are an Abomination: Até percebo a ideia, tal como Bogost sou culpado do fascínio com a materialidade física do livro, algo que, obviamente, nenhum e-reader substitui. Mas a leitura eletrónica traz tantas vantagens de acessibilidade, disponibilidade e portabilidade, que seria injusto descartá-la como meio.
SketchUp for iPad (Beta) has arrived!: Talvez não seja uma opinião generalizada, mas a minha intuição (e dia a dia) diz-me que os tablets são excecionais ferramentas de produtividade criativa, um verdadeiro bloco de notas/caderno de desenhos digital. Especialmente para quem gosta de expressão visual. Diga-se que a sensação de desenhar em 3D sobre uma superfície é excelente, especialmente se o nosso dispositivo dispõe de suporte para estilete.
Modernidade
Sex can relieve nasal congestion, and other work honored by 2021 Ig Nobels: Chegámos àquele momento do ano, em que a ciência mais... bizarra? Estranha? Inesperada... é distinguida. Notem, os prémios Ig Nobel não distinguem a pior ciência, apenas a mais inusitada, que apesar da aparente bizarria, faz pensar e coloca questões científicas válidas.
Azores Airlines bate recorde de voo direto mais longo em Airbus A321LRneo: Bem, a SATA anda apostada em explorar os limites desta aeronave, detém neste momento o recorde de voo comercial mais longo da Airbus.
Should we care about the lives of our kids’ kids’ kids’ kids’…: Refletir sobre o impensável, sobre catástrofes passadas e potenciais futuros cataclismas.
Ireland fails to enforce EU law against Big Tech: Portanto, a entidade irlandesa responsável pelo cumprimento das leis europeias de proteção de dados está atrasada na análise e resolução de queixas contra as grandes empresas da internet? E a Irlanda é o país onde as maiores empresas implantaram a sua sede europeia? Ah, e uma vez que a sede destas empresas é na Irlanda, uma queixa de violação de privacidade de dados que ocorra noutro país da UE precisa de validação posterior do regulador irlandês? Tudo coincidências, certamente. Os irlandeses não iriam fazer vista grossa às violações de dados e privacidade cometidas pelas empresas que escolheram a Irlanda para poder pagar o mínimo possível de impostos, certamente.
What to Know About SpaceX's Inspiration4, the First All-Civilian Mission to Orbit: Se as experiências suborbitais de Bezos e Branson conseguiram atrair uma espécie de ira global, com aquela aura de milionários com os seus brinquedos, já esta missão da Dragon, totalmente privada, prima pela discrição. E, no entanto, não deixa de ser outra instância de turismo espacial.