quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Doggerland

 

Ben Smith (2019). Doggerland. Londres: 4th Estate.

No passado longínquo, aquilo que hoje é oceano foi terra firme. Terra de rios e animais, de gentes e aldeias. Terra que lentamente ficou submersa, ano após ano com cada vez mais água salgada, que acabou por tudo cobrir. Num futuro, as antigas planícies dessa terra voltam a servir de base a construções. Desta vez, a um enorme parque eólico cuja estacaria assenta no solo submerso onde, há milénios atrás, comunidades faziam a sua vida.

É neste entreposto de tecnologia em constante estado de equilíbrio contra a entropia do vento e do mar que vivem dois homens. Um, já idoso, eterno operário de manutenção de um parque automatizado, que aproveita o tempo livre para lançar estruturas de redes intricadas em busca de artefactos do passado. Outro, um rapaz, filho de um outro operário que se fartou da vida nas plataformas eólicas, que nunca conheceu mais do que o mar, os manuais técnicos e a reparação de sistemas em decadência.

Decadência que é palpável em todo o livro. O único contacto destas personagens, muitas vezes às avessas, com o mundo exterior passa pelo piloto de um navio de mantimentos. A sensação que se fica, nunca explicada, mas intuída, é que todo o mundo está em decadência, e que aqueles dois estão esquecidos do meio do mar, tomando conta de mastodontes tecnológicos quase esquecidos. As linhas contínuas de navios mercantes que sulcavam os oceanos parecem ter-se extinguido, e apenas o piloto mantém uma linha com o continente, baseada em trocas. A nova Doggerland, construída sobre uma terra submersa que realmente existiu, sucumbe dia para dia ao desaparecimento lento da entropia.