quinta-feira, 16 de abril de 2020
Interzone #285
Each Cell a Throne, Gregor Hartman: Uma agente de polícia é contratada pela futura viúva de um milionário para o dissuadir de participar numa experiência fatal. Envelhecido, o milionário quer fazer parte de uma experiência de digitalização invasiva que o irá destruir, mas potencialmente preservar a sua consciência sob forma digital. Nunca saberemos se será bem sucedido, mas todo o conto é um esgrimir de argumentos pró e contra o potencial de digitalização humana e o suicídio assistido. O cenário pode ser um exótico futuro, num planeta onde a religião é uma força cultural dominante, mas as questões que o conto levanta são bem reais. Qual é o significado biológico da vida humana, deverá ser preservada a qualquer custo, é mais importante a vontade individual ou os diktats culturais. E, será excessivo arriscar a própria vida numa tentativa de atingir imortalidade virtual? Poderemos ser nós próprios se não estivermos ligados à nossa fisiologia e biologia? Um conto surpreendente, fortemente filosófico num toque de FC old school, mas também uma boa leitura.
Flyover Country, Julie Day: Este conto é mais interessante pelo se subentende da história do que do pelo conto em si. O futuro desta história é assolado por pragas virais, efeitos secundários de experiências e modas de manipulação genética. De tal forma que aeronaves que vaporizam químicos para neutralizar organismos virais artificiais se tornaram uma visão normal nos céus. Mas a história não é sobre isto, anda à volta com uma tarefeira de uma destas companhias aéreas que se apaixona por um piloto e, graças a isso, contrai uma virose. Não, não é uma metáfora para paixões, é mesmo uma virose agravada pelo desaparecimento do piloto.
Frankie, Daniel Bennett: Um soldado regressa da frente de combate para fazer o luto ao irmão. Há excertos do diário do irmão, que vivia numa cabana remota mas era uma personalidade da Internet. Há uma guerra violenta, não se sabe porquê ou contra quem. E é isso. Se vos deixei com a sensação que este conto é muito pobrezinho, é porque o é.
Salvage, Andy Dudak: O conto charneira desta Interzone é uma leitura agradável e surpreendente. A premissa é curiosa. A humanidade, que se espalhou pelas estrelas, foi congelada por uma civilização alienígena. Os humanos foram preservados em simulações computacionais, vivendo simulacros da sua vida. Passaram-se milénios, embora cada simulação tenha sentido que foram meses. Os únicos sobreviventes foram os tripulantes de naves sublumínicas, que voltaram a colonizar os espaços cheios de pessoas congeladas. Surge uma nova ocupação, a de recuperador, pessoas que extraem as consciências simuladas dos humanos e lhes dão uma nova vida em servidores, fora dos seus corpos congelados, e até formas de participar na sociedade humana. Este é o panorama, o palco é um território remoto, que quando foi apanhado na onda congeladora vivia debaixo de uma ditadura violenta e repressiva. Agora, as consciências novamente livres querem justiça, e forçam uma recuperadora a localizar o simulacro do ditador para o trazer a julgamento. Um conto sólido, intrigante, com uma técnica interessante para fazer os necessários infodumps que nos situam no seu mundo ficcional. O nosso conhecimento aprofunda-se com os múltiplos pontos de vista de simulacros que, ao serem resgatados, têm de compreender a diferença entre a realidade e a simulação que acreditavam ser o real.
The Dead Man's Coffee, John Possidente: Um conto simples, sobre café em estações espaciais, jornalismo e sistemas de castas, com manipulação genética à mistura.