terça-feira, 31 de março de 2020

Maré Baixa


Daniel Pecqueur, Jean-Pierre Gibrat (1999). Maré Baixa. Lisboa: Meribérica.

Uma intrigante surpresa, vinda do catálogo esquecido da Meribérica. Uma história fortemente surreal com toques de erotismo, que se destaca pela forma como a ilustração não só acompanha o argumento, como lhe dá o toque onírico que precisa. Uma velejadora embate contra um cargueiro automatizado, habitado por um estranho casal. O homem, um cientista de sanidade duvidosa, construiu uma máquina capaz de provocar enormes tsunamis e exterminar a humanidade, mas esqueceu-se de um detalhe, e precisa de um relógio eletrónico para meter a máquina a funcionar. Felizmente, a velejadora soçobrada tinha um. Após o dilúvio, as ruínas de Veneza tornam-se o local onde se aglomeram os restos do mundo. A sua arquitetura semi-submersa acolhe os vestígios da humanidade. Por entre as ruínas, uma sereia sobrevivente (avisei, o livro é surreal) beija um macaquinho de peluche, e este transforma-se num jovem, que trabalhava como artista de circo e ficou preso à forma de macaco quando o dilúvio interrompeu o espetáculo de magia. A sua arte mágica depende de uma memória de paixão de infância, e da sua capacidade de desaparecer da realidade e surgir no castelo de uma poderosa fada. Entretanto, surge um jovem menino-ator num balão, sobrevivente por estar a filmar uma cena na Cinecittá. Juntos, viverão uma história amarga, em que até a Morte se torna protagonista, acabando por se render à companhia do rapaz para combater a solidão. Lê-se como um sonho que faz pouco sentido mas não deixa de ser agradável, mas o que dá vida a este livro é o realismo surreal do traço do ilustrador.