terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

A Memory Called Empire


Arkady Martine (2019). A Memory Called Empire. Nova Iorque: TOR.

Este livro é apresentado como space opera, mas não esperem dele o sentimento de grande aventura e imagética de portentosas batalhas espaciais. Esse sentimento está lá, mas relegado para os bastidores. Influencia a narrativa, mas não lhe é central. O livro em si foca-se em intrigas e choques de culturas. Se pegarem nele à espera do tradicional nesta vertente de ficção científica, não vão ficar desiludidos, embora fique um certo ar de defraudar num livro que promete Space Opera mas não nos dá mais do que meros vislumbres de naves espaciais. A capacidade literária de Arkadi Martine é mais que suficiente para nos manter agarrados a uma história de pequenas peripécias mas grandes ambições. Uma história de ficção científica onde a linguística e a aculturação são os elementos centrais.

Uma jovem mulher é destacada como embaixatriz de um remoto mas orgulhosamente independente território para a sede do império que procura a hegemonia na galáxia, através de uma expansão constante. Uma hegemonia que se traduz não só no poder militar, é também o seu elevado nível cultural que o torna uma referência. A jovem vai sozinha para a grande capital imperial, mas não está isolada. Na sua mente coexistem memórias antigas do anterior embaixador, morto em circunstâncias misteriosas. O território que representa, uma união de estações espaciais que orbitam planetas cujos recursos mineram, tem uma longa tradição de aproveitar a experiência das gerações através da preservação digital de memórias, e sua implantação no sistema nervoso das novas gerações.

Chegada à capital do império, a jovem inexperiente mas determinada depressa se vê no meio de conspirações que lhe são incompreensíveis. O poder imperial está em desagregação, e o seu antecessor desempenhou papéis bem mais importantes do que o esperado de um embaixador de um território periférico. Poderá até ter prometido ao corrente e envelhecido imperador uma espécie de imortalidade, através da tecnologia que é exclusiva da sua nação. A jovem embaixatriz está dividida entre o deslumbre por uma cultura que sempre admirou, mas na qual nunca será totalmente aceite, sendo vista como bárbara, os sentimentos de atração correspondidos para com a sua agente de ligação governamental, os jogos de poder na busca pela captura do poder imperial, defender a soberania do seu território face a uma força militar que parte numa óbvia missão de anexação, e perceber qual será a verdadeira missão que terá de levar a cabo. Uma missão que deixa intuir novos episódios desta história. Nas fímbrias do espaço humano, pilotos das estações espaciais detectaram indícios de uma outra civilização, profundamente alienígena e claramente a preparar-se para invadir a galáxia. É essa a verdadeira missão da embaixada, convencer o grandioso império que nas suas fronteiras se acumula uma ameaça mortífera.


Para uma space opera com muito pouca ação dentro dos cânones do género, este é um livro surpreendentemente interessante. Talvez porque a escritora explora muito bem as dicotomias sentidas por alguém imersa numa cultura da qual não é nativa. A parte do romance que não se foca nas intrigas e jogos políticos é uma vasta tela onde a autora liberta a sua imaginação na criação de uma civilização a partir de traços aztecas. Há um traço progressista na forma elegante e não militante como a ligação romântica entre duas mulheres de diferentes mundos se desenrola. Isto é um tipo diferente de Space Opera, uma visão refrescante que explora novas fronteiras do género. Foge às convenções, mantendo o essencial, aquele sentimento de vastidão, de imersão em enormes mundos fantásticos, que a space opera tem de melhor.