domingo, 8 de dezembro de 2019
Not A Crash (Metáfora da Fiabilidade da Informação Online)
Ando correntemente fascinado com uma app chamada Display.land. Faz algo que adoro, fotogrametria, usando o telemóvel e com um processo fácil para qualquer utilizador. Desde os tempos da 123D Catch da Autodesk (eliminada pela empresa) que não me divertia tanto a capturar o real em 3D. Entre as muitas experiências que vou fazendo, sempre que tenho oportunidade (acho que a minha escola vai ser dos locais portugueses mais mapeados em 3D...), testei digitalizar o meu carro. Como sei que vidros e superfícies reflexivas, como metal, são um dos nemesis da fotogrametria, aproveitei um dia mais cinzento para o fazer. A captura não correu mal, mas preciso de treinar para sair melhor. Entre reflexos, transparências, e os meus volteios menos rigorosos, o meu carro ficou com um certo aspeto de ter dado uns pinotes na estrada.
O que é que isto tem a ver com a fiabilidade da informação? Bem, não resisti a partilhar nas redes sociais, e dado o meu típico humor negro, não resisti a colocar como legenda algo a dizer que eu e a minha cadela estávamos bem, foram só amolgadelas e vidros partidos no carro. Não fosse alguém acreditar que realmente o meu carro tinha capotado, incluí no final do post uma frase sobre ironia, a explicar o que realmente tinha acontecido.
Percebi que mesmo assim não chegou quando um amigo me telefona para saber como é que eu estava. Vimos no facebook que tinhas tido um acidente, disse-me. Claro que desfiz o mal entendido. Mas este fait divers dá que pensar. Por muito que se fale de literacia digital, da importância de avaliar a qualidade e fiabilidade da informação online, coisas como esta vão sempre acontecer. Uma imagem vista de fugida, uma leitura diagonal, algo que choca e suspende o sentido crítico e são ideias que se transmitem. É isto que fazem os propagandistas, os que propagam desinformação e fake news, os extremistas que exploram enviesamentos ideológicos e cognitivos para mudar perceções e envenenar a opinião pública. Explorar a suspensão de descrença, exacerbar pormenores, enviesar contextos. E contam com a rapidez do consumo de informação nas redes sociais para garantir que o espírito crítico dos públicos esteja fragilizado. Junte-se a isto o condicionamento percetivo algorítmico baseado no maximizar da atenção de utilizadores de redes sociais, onde se sabe muito bem que mostrar conteúdos polémicos é uma das formas mais eficazes de manter a atenção de utilizadores, e temos um dos maiores problemas do século XXI para as sociedades livres e democráticas. Não é um problema menor. Como é que enfrentamos problemas como alterações climáticas ou combate às desigualdades quando a opinião pública, que se manifesta nas urnas, é bombardeada com falsidade?
Ah, claro. O meu carro está muito bem e recomenda-se. Tal como eu e a minha cadela (que é demasiado irrequieta para ser modelo de fotogrametria). Sou demasiado forreta para ser condutor descuidado. E com isto, fico com uma simpática história para contar aos meus alunos sobre o problema da fiabilidade da informação nas redes.