domingo, 20 de dezembro de 2015

Limites

Apresentação da Antologia Nos Limites do Infinito, com o editor Pedro Cipriano (ao centro) e os autores Ana Luíz, João Rogaciano, Rui Bastos, Yves Robert e Ângelo Teodoro.

Aquele momento em que entro num espaço desconhecido e penso mas eu já vi isto! No caso, a sala de leitura da Biblioteca Municipal de S. Lázaro, que vi pela primeira vez no filme Os Abismos da Meia Noite de António de Macedo. No filme, esta sala é utilizada para uma reunião de conselho de turma onde Rui Mendes, um dos protagonistas do filme, tem de falar dos alunos. Quem me dera, penso eu depois de um dia de reuniões destas e a preparar-me para mais três similares, que os meus conselhos de turma decorressem em salas como esta. Há por aqui sincronismos, quer pelo espaço, quer por um dos contos mais interessantes da antologia aqui apresentada se ter inspirado num conto de Macedo. Só por causa das coisas, porque sincronismos são sempre bons de sublinhar, deixem um pouco de parte a legislação sobre propriedade intelectual e descubram ou redescubram o génio cinematográfico de Macedo nos Abismos da Meia Noite.


A ocasião foi o lançamento da antologia Nos Limites do Infinito, da Editorial Divergência, em parceria como blog Flames, que reuniu no espaço da biblioteca de S. Lázaro o editor, autores dos contos e fãs que vieram conversar um pouco sobre esta antologia, o prazer de escrever e as agruras da paixão por géneros de nicho como o fantástico e a ficção científica. A antologia promete. A minha leitura já vai a meio e estou a gostar mais do que esperava. Um comentário que parece assassino, mas reparem: estas antologias, e os contos que as compõem, são trabalhos de paixão por parte de autores e editores não profissionais. Deveria utilizar amadores, mas por cá esse termo tem conotações negativas, mesmo nos dias em que os prosumers e o movimento Maker mostram que o investimento de amadores em actividades tidas como exclusivas de profissionais dedicados geram resultados impressionantes.

Sinto, por vezes, um problema conceptual nos domínios do fantástico português. Eterno desprezado, com profundos sentimentos de menorização, deslumbra-se facilmente com o que vem do exterior mas coloca fasquias altíssimas aos que por cá se atrevem a escrever nestes domínios. Não quero com isto dizer que tenhamos que ser acríticos por amor à camisola dos géneros literários. A existência de níveis de exigência é positivo, e isso nota-se nestas antologias. Por crédito que se dê aos autores nelas coligidos, sabemos que são em grande parte como nós. Fãs que se atrevem a imaginar, escrever, ilustrar. Fãs com profissões e dia a dias longe dos géneros que lhes fazem palpitar o coração. Há, por isto, que lhe dar alguma folga literária e não exigir deles um constante fluxo de clássicos instantâneos com prosa capaz de causar inveja aos píncaros da literatura. Neste ambiente, haverá sempre contos excelentes, obras medianas, boas surpresas e histórias esquecíveis, sublinhando que aqui o papel de editores em filtrar o que é escrito é fundamental.

É por isto que este tipo de esforços são de saudar e apoiar da forma que melhor se apoiam projectos literários: lendo. Perante o autismo do mercado às literaturas de género (ou sua saturação com produtos de qualidade inferior, escritos a metro para explorar filões mercantis), resta aos autores a auto-edição digital ou em papel, o inferno das vanity press, ou estas raras iniciativas não profissionais que colocam a tónica na edição cuidada, equilibrando os interesses de escritores e leitores, dando espaço a vozes novas mas filtrando-os com sentido crítico. São estes esforços que garantem a sobrevivência qualitativa da literatura de género por cá. Cuja expressão continua diminuta, mas se recusa a reduzir-se ao silêncio graças ao esforço dos amantes de leituras que questionam e ultrapassam os limites do real.