“We may consider the engine as the material and mechanical representative of analysis, and that our actual working powers in this department of human study will be enabled more effectually than heretofore to keep pace with our theoretical knowledge of its principles and laws, through the complete control which the engine gives us over the executive manipulation of algebraical and numerical symbols.”
Assombroso, o curto mas profundo artigo de Stephen Wolfram em que parte à descoberta de Ada Lovelace. Mergulhando nas fontes primárias, traça um perfil desta pioneira da computação que vai muito mais além da imagem convencional de assistente de Charles Babbage. Ada Lovelace foi muito mais que isso, e Wolfram demonstra-o numa curta biografia comentada. Analisando o papel de Babbage, chega mesmo à conclusão que se este foi um brilhante engenheiro e inventor que criou o engenho diferencial e postulou o engenho analítico, dispositivos mecânicos de computação tornados possíveis porque Babbage também criou uma notação própria que lhe permitia descrever mecanismos de forma abstracta, o que apelidou de Mechanical Notation, o papel de Ada Lovelace foi determinante para intuir que os dispositivos de computação que Babbage propunha, construía e aperfeiçoava poderiam ser algo mais abrangente. Em essência, aquilo que Turing, apoiado na evolução da matemática, veio a descrever como os elementos da computação universal, que uma legião de engenheiros conseguiu traduzir da abstração matemática para dispositivos mecânicos, electro-mecânicos e electrónicos. A base por detrás dos dispositivos que formam o mundo digital que transformou radicalmente a nossa civilização.
É também curioso notar as ligações e ramificações destas personalidades. Ada Lovelace era filha de Byron, o poeta e incorrigível romântico que morreu ao tentar atravessar o Egeu a nado para combater pela libertação da Grécia do jugo otomano. Filha que Byron abandonou para posseguir com a sua vida complexa. Filha do homem que, reza a lenda, in a dark and stormy night na Villa Diodati desafiou os amigos a escrever histórias de terror para passar a noite. Um deles era John Polidori. Outro era Percy Shelley, o outro gigante da poesia romântica inglesa vitoriana. Na verdade a história não aconteceu tal como reza a lenda, mas nós gostamos de boas histórias que nos intrigam.
Quem terá aproveitado bem a inspiração dessa noite foi Mary Shelley, mulher de Percy, que escreveu Frankenstein. O livro que esquecemos ter como subtítulo or, the modern Prometheus, o livro que se tornou o primeiro romance de ficção científica. O livro onde o monstro é o cientista que quebra todos os limites na hubris da sua busca pelo domínio do conhecimento, e a criatura que aterroriza é na verdade a patética vítima, condenada à incompreensão. O livro onde o horror não vem de encantamentos ou criaturassobrenaturais, mas do enviesamento da ciência sem limites (apesar da criatura se ter tornado hoje um ícone do terror). A história não fica completa sem se referir que Mary era filha de Mary Wollstonecraft, uma das primeiras defensoras dos direitos da mulher e da igualdade de género. Dado que a mãe de Ada passou o resto da vida publicamente revoltada com Byron, duvido que Mary Shelley tenha contado histórias de tremer para adormecer à filha do amigo, mas podemos sempre sonhar...
Confesso o meu enorme fascínio pelo poder destas ligações pessoais entre mentes hoje algo esquecidas, ou mitificadas nalguns aspectos que não representam o seu todo, que estão na génese directa daquilo que é hoje o nosso mundo contemporâneo. Notem que estão a ler este texto num dispositivo que é uma aplicação prática da computação universal, ideia que não nasceu com Babbage, nem com Turing, tendo sido desenvolvida num continuum de ciência matemática que começa com Pascal, mas muito bem descrita na citação de Ada Lovelace que abre este artigo. As ideias subjacentes às tecnologias que permitem às TIC em 3D materializar o digital. Passem pelo blog de Wolfram e leiam este fabuloso Untangling the Tale of Ada Lovelace.
Errata (a 30/12/2015): O leitor atento Octávio dos Santos apontou um erro neste post. Transcrevo aqui a correcção:
... George Byron não «morreu ao tentar atravessar o Egeu a nado para combater pela libertação da Grécia do jugo otomano». Ou melhor, ele efectivamente morreu quando combatia para libertar os gregos do domínio dos turcos, mas não (afogado) a nadar no Mar Egeu... o que, aliás, ele fez, em 1810, atravessando com sucesso o estreito de Dardanelos; faleceu, sim, em 1824, de uma febre provavelmente causada por uma infecção resultante de uma sangria.
É o que dá passar o tempo a saltitar entre burocracia académica, gestão de sistemas, impressão 3D e aulas. De vez em quando as linhas trocam-se. Obrigado pela correcção! Esta é daquelas coisas que devo ter lido algures e misturado a informação.