terça-feira, 22 de setembro de 2015

Aurora



Kim Stanley Robinson (2015). Aurora. Nova Iorque: Orbit.


Um livro intrigante, estranho no quadro da obra deste autor. A FC Hard não é habitualmente pessimista, especialmente se saída da mente de quem firmou a sua reputação como escritor de FC com uma série de livros sobre a colonização e terraformação marciana. Talvez Aurora acuse o peso da contemporaneidade, das óbvias e reais consequências do aquecimento global, e seja uma forma do autor despertar as consciências para o facto do nosso planeta ser um local único, não nos servindo de nada sonhar com as estrelas enquanto deixamos o nosso berço degradar-se para além do recuperável.
 
Aurora pega num tema bem explorado pela FC, o das naves geracionais. Resposta ao imperativo físico da barreira translumínica, o conceito baseia-se em naves cujos tripulantes não chegarão aos longínquos destinos estelares. Serão os seus descendentes a pisar o solo dos planetas distantes. Arcas a sulcar os céus, desenvolvem sociedades que poderão esquecer-se que vivem no espaço confinado de uma nave (uma das vertentes mais exploradas deste conceito) ou poderão evoluir de forma inesperada. Robinson segue este caminho, com um grupo de descendentes dos colonos originais que ao aproximar-se do seu destino questiona a obrigação que lhes foi imposta por antepassados remotos.

Sendo Robinson um autor de FC hard, o romance é essencialmente um longo infodump que especula sobre naves geracionais. Foca-se especialmente na questão dos equilíbrios ambientais e biodiversidade dentro de um sistema fechado, uma eco-esfera que se desloca pelo espaço sempre nos limites dos seus recursos. A nave é um ecossistema complexo, do qual os tripulantes são um dos elementos, tentando replicar a biodiversidade através de vários biomas que contém variantes dos principais ecossistemas terrestres. A questão do equilíbrio, e da gestão cuidadosa que é necessária para o manter, é um dos pontos que Robinson mais sublinha.

Ostensivamente uma missão colonizadora, um de muitos passos que a humanidade dará para fora do seu berço, esbarrará nos limites biológicos impostos pela vida noutros sistemas solares. A missão tem como destino um promissor planeta similar à Terra em Tau Ceti, com oceanos e oxigénio abundante, mas a tentativa de colonização falha. O ambiente é inóspito, com violentos ventos constantes num planeta cujas marés não são influenciadas por luas. Poderia ser uma versão mais agreste dos territórios polares, inóspitos mas não a impossibilitar a vida humana, senão por um pequeno organismo, mais primitivo do que vírus, que provoca a morte dos colonos. Aos sobreviventes em órbita restam duas escolhas. Tentar colonizar outro planeta do sistema, similar a Marte, ou regressar à Terra. Apesar de diminuídos pela tentativa falhada de colonização e convulsões sociais que degeneram em motins, os tripulantes são suficientes para se dividirem, com um grupo a manter-se no sistema extra-solar e outro a empreender a viagem de regresso a um planeta que nunca conheceram. Regresso difícil, quase impossível, e que trará aos sobreviventes novas amarguras com a rejeição que lhes é imposta por terrestres que os vêem como traidores aos destinos e sonhos da espécie.

As mensagens de Robinson são claras. Espalhar-se pelas estrelas é um sonho que colide com a realidade das viagens espaciais. Há imperativos biológicos, tecnológicos e sociais a considerar, e não abonam muito a favor das visões de naves estelares a sulcar os vazios intergalácticos. As barreiras físicas e fisiológicas são enormes, e os destinos possíveis são por demais desconhecidos para assegurar a viabilidade de colónias. Como refere no livro, planetas mortos são demasiado difíceis para assegurar a sobrevivência e planetas onde haja vida poderão ser hostis aos humanos de formas inesperadas. Para isto não precisamos de bandos de indígenas dispostos a esquartejar os invasores terráqueos. Bastam pequenos micro-organismos cuja interacção com o complexo corpo humano poderá trazer consequências fatais. É uma visão sóbria, que se afasta do optimismo alastrante da maior parte da FC hard. Sublinha, muitas vezes, que talvez a ausência de sinais de civilizações extraterrestres se prenda precisamente com o facto destas terem aprendido que a colonização de outros planetas é demasiado difícil, que os limites físicos são intransponíveis. Visão que não é muito habitual neste género literário.

Numa vénia intrigante às visões de consciência mecânica, Robinson estabelece como narrador a inteligência artificial da nave, albergada num supercomputador quântico capaz de enfrentar os difíceis cálculos necessários para manter uma nave contendo biomas a atravessar os vazios interestelares. A evolução linguística da inteligência artificial da nave trai uma crescente preocupação e empatia com os tripulantes. De mero regulador homeostático, a inteligência artificial passa a interferir directamente nos biomas e gestão social para assegurar o bem estar de todos os habitantes do seu espaço. Esta evolução de uma consciência artificialmente programada para utilizar estilos literários nos seus relatórios é um dos aspectos mais interessantes deste livro. A empatia do leitor para com a nave é maior do que a para com os restantes personagens. Ter o centro nevrálgico de uma nave geracional a contar-nos a história também é um bom estratagema para Robinson despejar as suas especulações sobre o tema sem recorrer a infodumps óbvios. Narrados pela nave, as descrições dos sistemas técnicos e biológicos tornam-se parte integrante do todo narrativo.