sábado, 14 de março de 2015

Sustos às Sextas (III)


Este mês repetiu-se a coincidência simpática desta tertúlia sobre terror decorrer numa sexta-feira 13. Rumar à arquitectura neo-medievalista dos anos cinquenta do século XX no Palácio dos Aciprestes, passar um simpático serão a falar de livros e de terror, e sair de lá sempre com leve depressão cronal. É um ritual, diria.


A opinião era consensual. Este homem invisível que tanto enche o olho, do ilustrador Nuno Duarte, é um dos pontos mais altos da exposição Figuras Clássicas do Terror. A organização do Sustos teve, e muito bem, a ideia de desafiar criadores de BD e ilustradores a recriar ícones do horror clássico. Como já é habitual nestas coisas de desafios aos artistas ligados à BD, o resultado final é de elevado nível, com todos os desenhos a mostrar uma enorme qualidade gráfica. Cá o meu olho foi mais atraído pelo Cthulhu de Jerónimo Rocha que se agigante sobre as naus, mas sou lovecraftiano, por isso muito suspeito.


Menos elogiado pelos visitantes, mas a ilustração de Ana Oliveira foi a que mais me fez sorrir. Esta pobre Medusa incompreendida, desabafando os seus dilemas interiores a um Freud petrificado. Coincidências: nem faz uma semana que revi a cena animada pelo Ray Harryhausen em que Teseu enfrenta a Medusa em Clash of the Titans. E hei de a revisitar para um projecto. Pedagógico, entenda-se.


Finalmente a provar os já icónicos morcegos comestíveis.


Eis João Barreiros, orador convidado desta sessão. Fiel a si próprio, deu-nos uma aula sobre a neurociência do terror recheada de referências à ficção científica. Sai-se sempre de uma conversa com Barreiros com longas listas de livros a descobrir, e esta não foi excepção. Eterno enfant terrible das letras fantásticas portuguesas, foi igual a si próprio. Do meu ponto de vista conseguia-se ver o rosto dos mais incautos e pouco habituados ao estilo de Barreiros a oscilar entre fascínio e um ar de espanto chocado com aquilo que nos contava.


Pelo poder da imaginação, que este novelo de lã se transforme na funesta pata de macaco! Para terminar, leitura dramatizada do conto clássico de horror, tantas vezes referenciado na cultura pop. Momento que teve o seu quê de serão erudito de família. Num evento que conta com António Monteiro, só podia ser algo de profundamente clássico. Nota-se a continuidade da aposta num evento que mistura discussão, troca de experiências, outros olhares e literatura pura. Ou seja, uma tertúlia.

Infelizmente já percebi que saio sempre de lá com uma leve depressão. E porquê, perguntam? Porque depois destas sessões só apetece enrolar-me no sofá com contos de M.R. James e William Hope Hogdson, desempoeirar Lovecraft, ler visceralidades splatterpunk, ir descobrir os autores que se afloram nestas conversas. Infelizmente o tempo anda demasiado sobrecarregado com projectos a que não se pode ou quer dizer que não. Infelizmente sei que não terei tempo de ir visitar estas literaturas sem ser naquele tempo das sextas-feiras assustadoras. Enfim. Estas interrupções provocam depressões cronais. A relatividade e a física quântica ensinam-nos que o tempo é fluído e flexível, mas há tempos em que não se consegue dar por isso. Estas últimas semanas têm sido daquelas em que não chego para as encomendas e o tempo anda escasso para mergulhos no terror clássico. Mas o gostinho está cá...