sexta-feira, 23 de maio de 2014
Analog Science Fiction and Fact Vol. 134, #05
Cryptids, o conto de Alec Nevada-Lee que abre esta edição da revista, surpreende por misturar a ciência dura da pesquisa em biomedicina e os mitos criptozoológicos. Nas ilhas remotas da Nova Guiné uma investigadora especializada em aves raras vê-se forçada a colaborar com uma equipe de cientistas de uma empresa que visa analisar a cadeia alimentar de um pássaro produtor de neurotoxinas para a conseguir isolar e comercializar. Ao fazê-lo deparam-se com os mistérios assassinos das profundezas da selva, colidindo com uma espécie desconhecida de aves exímia em aniquilar o que percebem como ameaça ao seu habitat. Para além de uma boa história de aventuras e criaturas de pesadelo, tem uma forte componente de análise da importância da investigação dos compostos químicos naturais existentes na selva primeva.
Na zona de não ficção Karl Schroeder detalha as análises e hipóteses que colocou ao cosntruir o mundo ficcional de Lockstep, tentando manter vivo o espírito clássico da space opera com verosimilhança científica. O resultado foi o abandono das hipóteses tecnológicas que envolvem o ir além da velocidade da luz e o evoluir de um conceito de sociedade que gira à volta da hibernação de mundos como forma de manter o contacto civilizacional sincronizado nas vastidões espaciais. A secção probability zero é o recreio de ideias da Analog, a fazer recordar os Future Shocks da 2000 AD, onde os autores podem ter muitas ideias com poucas restrições. Neste mês Jerry Oltion imagina as clássicas rivalidades nacionalistas e a regressão tecnológica que hoje impediria o regresso do homem à lua em colisão com uma estupefacta missão de um conselho galáctico que se surpreende com uma civilização que regrediu na tecnologia e coloca um requerimento simples para garantir o acesso ao clube das civilizações espaciais: levar uma nave à lua no prazo de um mês. A solução tem o seu quê de felino. É daquelas coisas inexplicáveis da FC, este fétiche com gatos.
In Perpetuity começa por aparentar ser um conto sobre as tropelias de dois geólogos que descobrem um recurso natural raro na Lua mas não conseguem fazer muito com isso por estarem de mãos atadas com contratos de investigação privados, em que são peças de uma engrenagem sujeita a interesses lucrativos que colocam de parte a ciência fundamental. É ao cruzarem-se com o arquivista da base lunar que nos é revelado aquilo sobre que realmente reza a história: uma tentativa de preservar a memória cultural global, sem recorrer a tecnologias complexas, no isolamento lunar. Uma nova biblioteca de Alexandria, fechada prematuramente pela vacuidade dos gestores do instituto de investigação, sempre lestos a cortar ideias que não garantam lucros fáceis e rápidos. Um conto de Ellis Morning que tem o seu quê de crítica pouco velada aos ideias neo-liberais aplicados à investigação e ciência.
Bodies in Water é uma boa aplicação por Sarah Frost, apesar de um pouco sem sal, do conceito de périplo na FC. Somos levados através do olhar exploratório de uma jovem pelas ruínas de um mundo colapsado. As suas causas não nos são explicadas, mas somos levados por entre naves espaciais submersas às casas onde os habitantes recuperam as tecnologias maravilhosas de um passado não muito distante ou tomam conta dos seus animais transgénicos inteligentes, enquanto segura um peixe-robot que capturou no rio, por entre os destroços afundados de uma das naves espaciais que agraciou aquilo que foi, em tempos, um espaçoporto.
Repo devolve-nos a simplicidade das aventuras no espaço, com uma história sobre caçadores de recompensas com objectivos similares no espaço inter-solar a colidir. É um tipo de história que está tão à-vontade no velho oeste como na guerra fria ou nas vastidões espaciais. A prosa clara de Aaron Gallagher faz um belíssimo trabalho a descrever as naves que circulam entre os postos avançados nas órbitas dos planetas do sistema solar.
Another Man's Treasure tem um assinalável tom depressivo pós-austeritário. As consequências do neo-liberalismo alastrante são aqui levadas a um extremo lógico e muito plausível nos seus traços gerais. Tom Greene assina uma história triste, com um final feliz mas amargo, de uma viúva que sobrevive a explorar com os filhos uma concessão mineira numa lixeira, num futuro de escassez onde encontrar velhas tecnologias descartadas com materiais raros pode ser o passaporte para a fortuna. Os mineiros estão rodeados de parasitas, vendendo o que recolhem a intermediários monopolistas que, num sistema clássico de factual escravidão, trocam mão de obra e produtos por bens de primeira necessidade e abatimento de dívidas. Párias numa sociedade que rejeita os que são pobres, não têm acesso a cuidados de saúde e aos seus filhos é recusada a admissão às escolas por directores que temem o impacto destes nas estatísticas de resultados. Pequenos detalhes, mas que espelham a deprimente realidade que nos estão a impor. A história termina com um final feliz mas amargo, que nos mostra o valor do conhecimento mas também que se sente que há poucas alternativas à ordem vigente senão a de jogar pelas suas regras. A jovem viúva só se torna alguém de valor quando tem algo a oferecer a uma empresa de extracção de metano nas lixeiras. Um conto futurista muito simbólico sobre as pressões que se vivem nos dias de hoje.
All Human Things é desconcertante. A humanidade, que se espalhou pelo espaço e coloniza planetas, está ameaçada por uma raça reptiliana que funciona como mentes de colmeia. Mas esse é o pano de fundo para uma história de aventuras reduzidas que se fica pelas tensões entre um homem salvo dos alienígenas e o seu salvador, um humano artificial que passa o tempo à procura das raízes e a defender-se dos radicalismos fundamentalistas. Ou seja, a Terra está a ser invadida por extra-terrestres que raptam humanos para experiências genéticas e instala colmeias nas maiores cidades humanas, e estas duas alminhas protagonistas apenas se preocupam com a artificialidade do bebé proveta ou com volteios pelos comboios num planeta onde está tudo calmo e tranquilo apesar de em guerra total contra uma espécie implacável. Este conto de Dave Creek é um exemplo de como se pode falhar por completo o alvo. Já li pior, mas esperava mais da novelette que encerra uma publicação da qualidade e prestígio da Analog.