segunda-feira, 10 de março de 2014

Comics


Afterlife With Archie #04: O que torna esta série interessante é a forma como subverte descaradamente este ícone da pureza pop americana, do sonho da cidade pequena cheia de personagens bondosas onde a vida é simples, dos estereótipos que se repetem até à exaustão em boa parte do espaço de ideias da ficção popular norte-americana. Ou, visto de outra forma, os zombies são uma boa desculpa para fazer vir ao de cima as pulsões inquietas e desejos obscuros subjacentes à normalidade lustrosa da quadricromia. Ajuda que o estilo do ilustrador Francavilla sublinhe um visual gore a roçar o expoloitation. Enquanto a boa gente de Riverdale se transforma numa horde de zombies assassinos resta o eterno adolescente vestir a armadura de último herói de acção e começar a esmagar a mioleira dos amigos, vizinhos e família à paulada.


Hinterkind #06: Suspeito que a DC/Vertigo esteja a considerar esta como a nova série alongada de prestígio para substituir os criativamente esgotados American Vampire e The Unwritten, duas séries interessantes que foram empoladas à exaustão. Hinterkind tem argumentista e ilustrador de renome, um palco ficcional vasto e a cada edição Edginton vai metendo mais umas criaturas no seu futuro bizarro-distópico. A américa do norte está dominada pelos Sidhe, uma coligação de criaturas fantásticas dominadas por fadas principescas mas onde pululam trolls e outras criaturas antipáticas. Os humanos sobreviventes ou são escravos para as construções dos Sidhe, ou gado para caça, ou resistem escondidos em locais desconhecidos. Depois de um arranque em que Edginton coloca os seus heróis num périplo que os leva a cruzar-se com esquadrões de caça Sidhe e um reduto de soldados do antigo exército americano que está a levar a engenharia genética demasiado a série, esta edição termina com vampiros aeronautas europeus que sulcam os céus americanos. Este constante acumular de novas personagens, com arcos narrativos suspensos no meio de aventuras pontuais, é o que me leva a suspeitar que esta série se alongará até à exaustão. Até porque mistura fantasia com ficção científica distópica num registo muito próximo da weird fiction, algo muito em voga no momento.


Lobster Johnson Get The Lobster! #02: Adoro quando os argumentistas e ilustradores vão buscar as referências obscuras certas para sublinhar o carácter das suas criações. Desta vez temos a dupla Mignola/John Arcudi a escrever mais um título paralelo ao universo ficcional de Hellboy, num registo de homenagem aos pulp policiais clássicos. Não poderia faltar um untuoso servo manipulador dos arqui-inimigos do herói, decalcado da fisionomia e estilo do actor Peter Lorre, que nos legou imensos Igors a acompanhar cientistas insanos, entre outras personagens marcantes. Quase se consegue ouvir a sua voz inconfundível a sair dos balões.


Moon Knight #01: A melhor notícia da safra de comics desta semana é o regresso de Warren Ellis à Marvel, onde irá insuflar nova vida numa personagem que é uma cópia descarada mas mal sucedida do Batman da DC. Pessoalmente sempre vi Moon Knight como uma inversão do Cavaleiro das Trevas, um combatente misterioso do crime com um pendor para vestes e capuzes brancos que se move na escuridão. Ellis aproxima-se deste personagem utilizando iconografia e estruturas narrativas muito similares ao seu mais recente romance, Gun Machine. Ou, como o próprio Ellis diz no seu blog, weird crime. Para já destaca-se a sua prosa seca, de ritmo implacável, sempre a obrigar a rever os pressupostos de normalidades, a fazer mexer um personagem esquecido da Marvel. É interessante a forma como desmonta a dicotomia polícias/heróis-vigilantes reforçando a tensão com uma dose de realismo prático.


Starlight #01: Mark Millar e Goran Parlov estão neste comic a criar uma homenagem profunda ao retro-futurismo optimista da ficção científica pulp clássica. A referência aos mundos de aventura de Buck Rogers, Flash Gordon e Adam Strange é óbvia nesta história onde um herói clássico de raygun em punho que, no passado, deslumbrou beldades alienígenas em mundos de fantasia luta contra um presente de normalidade insuportável. A vénia classicista está muito aparente nas escolhas estilísticas de Parlov, que vai buscar a iconografia clássica de Alex Raymond com toques de Moebius para criar os foguetões de maravilha e as cidades fantásticas que se ocultam para lá do nosso planeta.


Wild Blue Yonder #04: Esta mini-saga dieselpunk de futurismo distópico aproxima-se de uma conclusão que promete uma épica batalha entre aeronautas. Remisturando iconografia usual nestes géneros literários, esta série surpreende pela sua coerência e cuidado narrativo. Temos um pouco de tudo, desde aeronaves que sulcam os céus a raparigas-maravilha (de piloto, que de mecânica seria mais para o steampunk), relações familiares tortuosas que estão interligadas com os destinos do mundo e uma galeria de personagens peculiares. Este tipo de histórias tem, na sua maioria, tendência para descambar em simplismo, mas esta série tem sabido manter o equilíbrio entre elegância narrativa e o optimismo deslumbrado e inocente que caracteriza as ficções steampunk e congéneres.