sábado, 1 de março de 2014

A creature of equations/advantages over human workers.


Marcel Duchamp, 1912: Nu Descendant Un Escalier.

Duas citações, saídas de livros muito diferentes mas conceptualmente próximos entre si. A primeira vem do Limit, romance de FC passada num futuro muito próximo do escritor alemão Frank Schätzing. A segunda da análise de tendências tecnológicas que é The Second Machine Age: Work, Progress, and Prosperity in a Time of Brilliant Technologies de Erik Brynjolfssone Andrew McAfee. Ambos sublinham correntes preocupantes de pensamento no desenvolvimento e utilização de tecnologias avançadas de automação robótica e digital.

Aqui, um detective especializado em encontrar rastos digitais de pessoas desaparecidas entra ilegalmente nos sistemas informáticos da polícia de Xangai em 2020. O sue objectivo é ir aos ficheiros do sistema de hiper-vigilância biométrica de alta resolução que monitoriza regularmente os transeuntes nas ruas através da leitura dos padrões oculares da íris e é capaz de detectar os padrões de movimento individuais para, a partir daí, conseguir seguir movimentações através de uma rede pervasiva de sensores espalhados pela metrópole. É uma visão aterradora do panopticon hipervigilante que um governo totalitário não hesitaria em desenvolver.

"Jericho's computer started sifting. It analysed every twitch of Yoyo's eyes, dived into the crystalline structutes of her iris, measured the angle of her lips when she smiled, set up studies for the way her hair moved in the wind, calibrated the sway of her hips, the spread of her fingers as she swung her arms, the line of her wrist as she pointed, her average lenght of pace. Yoyo became a creature of equations, an algorithm which Jericho sent upon into the phantom world of the police surveillance archive, hoping that it would meed its match there." (Limit, pg. 343).



Eadweard Muybridge, Nude Descending A Staircase, 1887.

O conceito de redução de um humano a padrões algorítmicos, a creature of equations, tem o seu quê da imagem icónica de Duchamp na obra Nu Descencant Un Escalier. Uma visão já centenária (o quadro data de 1912 e estamos em 2014), hoje realizável através das tecnologias digitais. A intuição de Muybridge, fixada na tela por Duchamp, é já hoje traduzível por algoritmos computacionais.


Fritz Lang, Metropolis, 1927.

Aqui encontramos a utopia do capitalismo selvagem, o concretizar da visão da máquina de Moloch no Metropolis de Fritz Lang, a automatização fabril levada ao extremo e o fim da necessidade dessas coisas incómodas que são as pessoas:

"Baxter has a few obvious advantages over human workers. It can work all day every day without needing sleep, lunch, or coffee breaks. It also won’t demand healthcare from its employer or add to the payroll tax burden. And it can do two completely unrelated things at once; its two arms are capable of operating independently." (The Second Machine Age, pg. 59).

Os investigadores estão a falar de um protótipo de robot capaz de aprender sequências de movimentos a partir da imitação dos movimentos de um operador, mas descaem-se para um argumento que faz parte dos sonhos molhados de industrialistas, financeiros, políticos e troikistas austeritários: a redução de custos e eficiência económica através da eliminação de humanos nos sistemas laborais. As mais luminosas utopias são espadas de dois gumes, e geralmente acabam a cortar para o lado inesperado.

(Não deixa de ser interessante notar como os sonhos artísticos de novas percepções, futuros implausíveis e novas formas de ver e conceber o mundo são hoje concretizáveis pela tecnologia avançada.)