segunda-feira, 16 de setembro de 2013
Interzone #247
Será que os grandes nomes são essenciais para ancorar os escritores desconhecidos? Deslumbrados pelo privilégio de ler as palavras de autores famosos, ficaremos mais abertos às tentativas de autores desconhecidos e incipientes? Ou isso, ou então as escolhas para esta edição da Interzone foram feitas tendo como principal critério a mediocridade dos contos. Nisto a edição é muito homogénea. Confesso que ao pegar na revista notei logo a ausência de nomes de pesos-pluma ou pesados da ficção científica, mas isso não apoquentou. Uma das grandes virtudes deste género de publicações é possibilitar às novas vozes fazerem-se ouvir e chegar aos públicos. Ter a garantia de ler algo por algum autor reconhecido é um mimo, mas as boas surpresas residem nos restantes. Só que desta vez o coro estava desafinado e as vozes dissonantes.
Boas ideias não faltam (excepção feita para o patético conto que encerra a revista). Infelizmente a capacidade narrativa parece ter saído de trabalhos para oficinas de escrita. Centradas em sentimentos e emoções difusas, com imensa construção de personagens que depois não dá em nada, acção que se arrasta até ser obrigada a decorrer, exploram com muita fraqueza as premissas interessantes dos contos. Desapontador, muito desapontador.
The Pursuit Of The Whole Is Called Love: arranque pouco auspicioso para esta edição. Conto difuso e confuso sobre um casal de criaturas que talvez sejam alienígenas que se parecem alimentar de forma vampírica mas que acabam por ser mal veladas metáforas eróticas. Lê-se a custo e fica-se com a sensação que é uma versão light de um conto escrito para aquelas antologias de fantasia romântico-erótica que se distinguem pela mal velada pornografia literária e fraca qualidade narrativa.
Automatic Diamanté: conto promissor mas pouco claro de Philip Sugars. Uma consciência artificial aprende a interagir com os humanos e tenta criar uma relação de empatia com um dos investigadores. Curiosamente, sofre alucinações com deuses da sangrenta mitologia azteca (uma inteligência artificial com alucinações, eis uma ideia curiosa) e encontra forma de se descarregar para o corpo da mulher do investigador, paralisada e em coma após um acidente automóvel. O conto tem momentos interessantes, particularmente no ponto de vista narrativo em que a voz da inteligência artifical, sempre em modo introspectivo, procura compreender o mundo através de conceitos e metáforas catalogadas.
Just As Good: partindo de uma premissa interessante, este conto depressa derrapa no tédio. Estamos num presente onde criaturas estranhas, denominadas "trocadores", podem entrar pelas casas dentro e teleportar pessoas e objectos para qualquer ponto no planeta. Famílias esboroam-se, memórias tornam-se difusas, mas estranhamente a sociedade não colapsa, o mundo vai continuando a viver, e todos se adaptam às trocas forçadas. Alguns com resignação, outros pensando que há algum sentido profundo nas trocas aleatórias. O desenvolvimento narrativo é feito pelo ponto de vista lamecha de uma jovem que tenta tudo para não perder as memórias da sua família.
The Cloud Cartographer: outra boa premissa desperdiçada. Neste conto de V.H. Leslie somos levados a um mundo possivelmente paralelo, futuro ou fantástico onde o planeta está sobrepovoado e só nas nuvens acessíveis a partir dos píncaros montanhosos mais elevados resta espaço livre de arquitecturas claustrofóbicas e pessoas em frenesi. Esta zona difusa é um paraíso para um homem solitário que se dedica a cartografar as lentas mutações da superfície das nuvens. Crendo-se só, registando os territórios encobertos nos desertos sobre as montanhas, é surpreendido pela descoberta de uma comunidade de colonos que fugiu à clausura urbana e refez a vida nos céus. A ideia é intrigante, a indefinição entre futurismo e fantasia assenta bem numa narrativa em que não nos parece implausível que as nuvens sejam ao mesmo tempo difusas e com a solidez necessária para se tornarem uma nova terra. O problema é que passamos demasiado tempo a conhecer as ânsias interiores do cartógrafo e o confronto com os outros é despachado em poucos parágrafos.
Futile The Winds: haja alguma luzinha nesta edição desastrada da Interzone. Novamente uma boa premissa e uma escrita sólida, se bem que desinspirada. No conto de Rebecca Schwarz um casal de colonos em Marte está nas últimas. A vaga de colonização assenta no envio de casais que vão tentando construir os alicerces de suporte de vida. Se o conseguem sobrevivem, se não fenecem no duro ambiente alienígena. Estes, encarregues de testar combinações genéticas de plantas capazes de sobreviver na atmosfera marciana, estão pelas últimas até que uma das plantas começa a germinar com fugazes sementes que depressa se esboroam. A mulher prova-as e acaba por se metamorfosear numa árvore consciente que o homem, nos seus últimos gestos, liberta do espartilho da estufa para poder espalhar os seus frutos pelos desertos marcianos.
The Frog King's Daughter: passei o tempo que desperdicei a ler este conto a pensar no que raio se passou pela cabeça dos editores da Interzone para terem publicado uma coisa tão patética. Imaginem um sapo. Habitado por uma mente humana, um executivo de topo de uma grande empresa que aposta com um dos seus programadores que seria tão bem sucedido como sapo do que como executivo. O programador arranja forma de lhe deixar o corpo em coma e a mente dentro de um sapo, garantida por um software que só permitirá o regresso ao corpo caso as condições da aposta sejam conseguidas. O programador morre atropelado e o executivo fica preso no corpo do sapo. A mente do batráquio não é grande coisa mas há umas pedrinhas no charco que ocultam nano-máquinas e potentes computadores. O nosso sapo-CEO ajuda a filha a sobreviver a uma conspiração para domínio corporativo e corporativo e descobre que prefere a vida contemplativa a apanhar moscas à beira lago do que as pressões da alta finança. Isto não é ridículo, é patético. Acaba por ser o final adequado à pior edição da Interzone que me chegou às mãos desde que a comecei a ler regularmente.