quarta-feira, 21 de agosto de 2013

The Future Is Japanese


Nick Mamatas, Masumi Washington, ed. (2012). The Future Is Japanese. São Francisco: Haikasoru.

Chancela da Viz Media, editora especializada em manga, a Haikasoru Press dedica-se à publicação de traduções de ficção científica e fantasia japonesa para o mercado global. O seu catálogo conta com obras representativas destes géneros literários provenientes do Japão. Se a banda desenhada nipónica dispensa apresentações e encanta fãs ao nível global, já a literatura de género fantástico continua desconhecida. O catálogo em crescimento desta chancela e esta antologia fazem parte de um esforço de traduzir e trazer às audiências globais o que se escreveu e escreve em termos de FC no país do sol nascente.

As ficções mais interessantes deste The Future Is Japanese são, como não poderia deixar de ser, as criadas por autores japoneses porque representam um vislumbre que só peca por ser pequeno sobre os vários estilos e correntes da FC nipónica. Curiosamente, têm em comum um sentido catastrofista apurado, talvez projectando em futuros imaginários a devastação sofrida na II guerra mundial e os efeitos psicológicos de viver no único país que já foi alvo de armas atómicas. Já as ficções de autores ocidentais traem um certo orientalismo contemporâneo, assentando na visão estereotipada de um Japão com o lados exótico, traduzido em bizarras criaturas místicas, e high tech, brilhante em neon cyberpunk combinado com robótica avançada. Este moderno orientalismo trocou as lânguidas odaliscas nos haréns quentes do médio oriente pelas visões de alta tecnologia pulsantes de néon.

A antologia em si é pouco homogénea, alternando entre momentos ficcionais brilhantes, toques de fascínio orientalista e alguns contos desapontadores saídos da pena de autores insuspeitos.

Mono no Aware: Tudo se esvai neste conto trágico de Ken Liu. Numa nave-arca onde se congregam os últimos humanos sobreviventes da destruição da Terra por um asteróide um dos tripulantes comete o sacrifício final para salvar a nave e os seus passageiros. Enquanto repara um rasgão na gigântica vela solar reflecte sobre a catástrofe planetária e a eterna transiência da vida.

The Sound of Breaking Up: Num aparentemente radioso futuro onde só quem quer trabalha e onde o governo garante um rendimento a toda a população uma jovem trabalha como finalizadora de relações, poupando os incómodos dos finais face a face entre casais desavindos. Mas um trabalho leva-a a descobrir o segredo da generosidade presente: um sistema de viagens no tempo que permite a equipes dedicadas recolher os recursos naturais de outras eras para manter a prosperidade no presente. Conto de Felicity Savage.

Chitai Heiki Koronbin: Robots. Robots gigantes e monstros violentos que rastejam a partir de zonas misteriosas para semear caminhos de destruição e os homens e mulheres especiais que tripulam as criaturas mecânicas. Neste conto David Moles brinca com um dos mais usados conceitos da cultura pop nipónica.

The Indiference Engine: Guerras civis africanas, crianças-soldado marcadas pela violência e nanotecnologia colidem num conto macabro do japonês Project Itoh. Uma organização não governamental implanta nanomáquinas em crianças-soldado especialmente violentas, tornando-as incapazes de distinguir as diferenças raciais que lhes foram inculcadas desde tenra idade. Incapazes de matar os de diferentes etnias, depressa se organizam e se tornam uma força terrorista que arrasa tudo à sua frente.

The Sea of Trees: A floresta assombrada de Aokigahara, famosa por despertar as preferências dos suicidas japoneses, é neste conto de Rachel Swirsky o palco de uma viagem de descoberta de raízes familiares e míticas, com fantasmas perdidos ou vingativos à mistura.

Endoastronomy: Um estranho e quase incompreensível conto de Toh Enjoe onde três pessoas que vivem num mundo isolado e aparentemente plano conjecturam sobre o que observam na esfera celeste.

In Plain Sight: Um agente da interpol é encarregue de investigar um crime de realidade aumentada, essencialmente uma desculpa para traçar um panorama futuro onde as realidades digitais e física se interconectam. A relação com o tema da antologia está na imersão numa diáspora nipónica após as ilhas do japão terem sido submersas por acontecimentos cataclísmicos. Inconclusivo e confuso, este conto da insuspeita Pat Cadigan é um dos momentos mais fracos da antologia e muito aquém do nível da autora.

Golden Bread: Em tom space opera, este conto de Issui Ogawa leva-nos à futura colonização do sistema solar através da história de um piloto de combate de uma nação espacial agressiva que se despenha num asteróide habitado por colonos pacíficos que replicam no espaço um estilo de vida naturalmente harmonioso. O conflito entre a indotrinação civilizacional do jovem piloto e uma progressiva integração numa comunidade de valores diferentes são o fio condutor deste interessante conto.

One Breath, One Stroke: Mais poema visual do que conto, este curioso intermezzo de Catherine M. Valente faz recordar um dos melhores momentos do filme de animação A Viagem de Chihiro de Miyazaki. Somos levados a um desfile de criaturas míticas e feéricas de inspiração na rica mitologia nipónica num voo de imaginação onírico.

Whale Meat: Neste conto de Ekaterina Sedia uma jovem filha de pai japonês aproveita uma deslocação deste à ilha de Sakhalin para mergulhar numa vertente em extinção da cultura japonsea. E aproveita para provar iguarias culinárias criadas com espécies em vias de extinção.

Mountain People, Ocean People: Fantasia futurista de Hideyuki Kikuchi onde a espécie humana, após quase se extinguir graças a catástrofes naturais, subdivide-se em comunidades que habitam os mais altos cumes montanhosos e outras que vivem nos oceanos. Somos levados a uma comunidade de alpinistas capazes de voar que, por entre os perigos dos animais predadores capazes de voar e o conservadorismo dos seus líderes são desafiados a descobrir o que está para lá das montanhas.

Goddess of Mercy: Bruce Sterling entra em modo pós-apocalíptico com o ordálio de um jornalista e uma diplomata nas ruínas da ilha de Tsushima, transformada em abrigo de piratas após o colapso do governo japonês causado pela detonação de uma bomba-atómica norte-coreana em Tokyo. Este é um conto vibrante que mexe com ícones da modernidade socio-política: estados falhados, zonas geográficas afastadas da legalidade convencional, perigos geopolíticos e os inadaptados que caem por entre os interstícios sociais e se congregam em zonas de risco.

Autogenic Dreaming: Interview With The Columns Of Clouds: A antologia termina em modo puramente cyberpunk com uma experiência com o seu quê de alucinatório de Tobi Hirokata. Todo o conto se passa em múltiplas camadas virtuais e as entrevistas são uma forma de através de inteligência artificial criar um anti-vírus textual capaz de combater um vírus que interfere nas ficções digitais acessíveis no espaço virtual. Mas quando a personalidade digitalmente reconstruída em que se baseiam as entrevistas é a de um escritor assassino em série que levou as vítimas à morte através das suas palavras as fronteiras virtuais entre quem cria e quem é criado esbatem-se.