sexta-feira, 29 de março de 2013

Comics


East of West #01: Jonathan Hickman, responsável pelo surreal Mannhatan Projects para a Image, lança para a mesma editora um intrigante novo título onde géneros com elementos de horror sobrenatural, ficção científica, história alternativa e western se misturam. O cenário é uma américa futurista com história divergente, onde a guerra de secessão foi inconclusiva, as nações índias se unificaram e mantiveram a sua independência, o Texas é um estado livre, a Louisiana um reino e toda a costa oeste uma antiga colónia chinesa que proclamou a sua independência como república popular inspirada num Mao que morreu exilado nas costas americanas. Este vasto panorama por si só já seria um excelente palco para boa ficção especulativa, mas Hickman não se fica por aqui.


A série inicia-se com o renascer dos cavaleiros do apocalipse como crianças sanguinárias empenhadas em pôr fim ao mundo, mas dos quatro esperados falta um... a Morte, que com aliados misteriosos busca um artefacto oculto numa busca que se pode descrever como um passeio de fúria assassina. O primeiro número deste promissor comic surpreendeu, com os índices de estranheza a atingir máximos numa narrativa deliberadamente confusa, pensada para despertar a curiosidade do leitor e estabelecer as questões que se espera que venham a ser aprofundadas ao longo do arco narrativo. Muito é vislumbrado, pouco é revelado, e a curiosidade está decididamente desperta. 


Fatale #13: Pouco se fala desta curiosa série de Ed Brubaker que mistura terror lovecraftiano com policial noir. Os primeiros números foram pérolas do comic com gosto policial, glosando na perfeição os elementos do género e tendo como fio condutor a mulher fatal e o segredo de toque lovecraftiano nela encerrado. O elevado nível não surpreende em histórias criadas pelo argumentista de Criminal. Agora a tónica narrativa está no aprofundar do mistério sobrenatural através das histórias de várias encarnações da mulher fatal cuja presença tem o condão de transtornar os homens. Primeiro na idade média, onde previsivelmente é queimada como bruxa, e agora no velho oeste com uma maior influência de Lovecraft com livros misteriosos de aterrorizante conhecimento oculto, seitas tenebrosas e criaturas tentaculares. Se os parágrafos de Call of Cthulhu se cruzassem com L.A. Confidential, o resultado seria algo do género que Brubaker desenvolve em Fatale com ilustrações de Sean Phillips, nome também habitual nas séries desenvolvidas por este argumentista.



Fury MAX #10 My War Gone By: Alguém na Marvel deve ter achado boa ideia contratar Garth Ennis para  criar uma mini-série sobre Nick Fury, o eterno soldado e super-agente da S.H.I.E.L.D.. Afinal, Ennis distingue-se pelo cuidado que coloca em séries que abordam a história militar e Fury é soldado, por isso o que poderia correr mal? Na verdade nada, e o resultado é uma série fortíssima que deixa de lado todos os artifícios habituais do comic de super-heróis e coloca Fury nalguns dos mais sujos teatros de guerra do século XX. Assistimos à queda dos franceses na Indochina dos anos 50, tentativas de assassinato de Fidel Castro durante o falhanço da invasão da Baía dos Porcos, peripécias nas selvas do Vietnam e agora Nicarágua na guerra suja dos Contras, apoiada pelo governo americano com dinheiro do tráfico de narcóticos. Envolvido com uma bela mulher com olho para intrigas e um senador sem escrúpulos Fury vai-se cruzando com alguns personagens do universo Marvel ainda despidas dos fatos colantes e atributos do género enquanto revisita alguns dos conflitos mais sujos da segunda metade do século passado. Sem heroísmo, com muitos segredos políticos e num registo que está muito distante do habitual comic infantilizado em que a Marvel é especialista.


Joe Kubert Presents #06: O final de uma série onde um velho mestre recupera antigas personagens, conta histórias esquecidas e deslumbra o leitor com a firmeza fluída do seu traço. Kubert afirmava pretender que este fosse um comic que ele gostasse de ler, e o resultado é uma elegia apropriada a um dos grandes mestres do género. Faleceu aquando da publicação do segundo número de uma série que, felizmente para o público e para a história, já tinha deixado quase concluída. As capas não chegaram a ser terminadas e ficaram pelo desenho puro, sem cor e arte final, sendo de saudar a decisão editorial de as manter nesse registo em homenagem ao ilustrador. O que seria uma série acabou por se tornar elegia, digno ponto final na vida de um marco da história dos comics.


The Massive #10: É interessante notar a forma como Brian Wood oscila intencionalmente entre ritmos narrativos nesta série. Momentos muito rápidos, cheios de acção decisiva, intercalam com momentos mais lentos que permitem aprofundar as personagens e a solidez do mundo ficcional. Nesta edição é a isso que assistimos, com uma linha narrativa que dá continuidade à odisseia da tripulação do navio Das Kapital em busca do elusivo navio-irmão The Massive e que serve essencialmente para ampliar o espectro da narrativa. Wood sabe do que está a falar e o seu mundo ficcional reflecte algumas das previsões sóbrias e deprimentes para um futuro próximo condicionado pelo esgotamento dos recursos naturais e alterações climatéricas. O destaque é dado à América Central e do Sul sob os efeitos de conflitos armados pelo controle de recursos naturais e económicos onde a estrutura do estado-nação sofre uma desagregação acelerada. Mais uma edição a comprovar The Massive como um dos mais interessantes e pertinentes comics actualmente publicados.


The Unwritten #47: E porque estamos na páscoa... o coelhinho malvado criado pela imaginação perversa de Mike Carey está de regresso a The Unwritten. Este é um coelho especial, cuja primeira aparição surgiu numa das mais hilariantes edições da série onde um bruto mafioso de segunda categoria se vê encerrado como coelho fofo dentro de uma bucólica história infantil. Corpo de coelho, mente de criminoso, história inocente... a coisa não terminou bem naquela que foi uma brilhante sátira à doçura ingénua das histórias infantis com animais antropomórficos. Apesar de ser uma personagem muito secundária o conceito é demasiado bom para ser esquecido e Carey de vez em quando dá-nos vislumbres das aventuras do coelho mafioso no vórtice de mundos ficcionais que sustenta The Unwritten. O seu objectivo é regressar à vida normal, e sobe a pulso por entre os mundos imaginários da literatura, deixando um rasto de devastação por onde passa. Desta vez, uma passagem pelo hades mitológico coloca o coelho no trono do rei dos infernos gregos, visitado por um amnésico Tom Taylor em busca da sua amada Lizzie numa história que se vai contando como vénia profunda ao mito de Orfeu.

(Acabei de reparar que no mesmo parágrafo coabitam as palavras coelho mafioso, rasto de devastação e trono dos infernos. Parece um retrato deste portugal sob domínido dos austeritários neoliberais...)