domingo, 25 de novembro de 2012

Leituras sugeridas, Fórum Fantástico 2012


Alone Together: há vinte anos, deslumbrada com as promessas de desenvolvimento pessoal trazidas pela tecnologia digital em rede,  Turkle escreveu Life On The Screen e The Second Self, obras seminais sobre o humanismo da cultura digital. Hoje, o olhar é mais sóbrio e de cautela. Divide-se em duas vertentes, o desânimo perante a adopção e simplificação das personas em redes sociais que acaba por condicionar as relações sociais, e o temor de desumanização ao observar a forma calorosa como reagimos a robots, máquinas que meramente simulam vida mas que despertam em crianças e idosos sentimentos de carinho e deleite. Um aviso para enquanto abraçamos a pós-humanidade, não nos esquecermos de ser humanos.


Channel Sk1n: um livro de Jeff Noon que pode melhor descrito como cocaína digital. Mistura da influência das teorias de McLuhan com cyberpunk puro num estilo de linguagem reminiscente do experimentalismo de William S. Burroughs. Uma jovem cantora pop em ascendência é contaminada por um vírus que lhe transforma a pele num ecrã, retransmitindo um ecossistema multicanais até ao previsível final triste de morte e esquecimento. O desespero da aspiração à fama pop provoca o devorar físico pela iconografia da cultura superficial como metáfora das eternas aspirações à presença debaixo das luzes da ribalta. Para alimentar o gosto pela ficção experimentalista de Noon o recomenda-se o twitter Echovirus12, sempre com cento e quarenta caracteres de brilhantismo literário.




Emperor Mollusk Versus The Sinister Brain: um polvo gigante, génio científico-tecnológico, governa a Terra como ditador benevolente mas tem de enfrentar as mais díspares ameaças lideradas pelo seu arqui-inimigo, um cérebro dentro da obrigatória redoma de vidro. Civilizações perdidas, dinossauros armados com lasers, ovnis robóticos e raios da morte são alguns dos ingredientes desta homenagem divertida aos lugares comuns da FC de série B escrita numa linguagem cristalina que leva o leitor a visualizar mentalmente as pavorosas aventuras das criaturas alienígenas com os seus artefactos cromados.


La Belle Mort: um grupo de sobreviventes explora uma cidade devastada por uma praga de insectos alienígenas que depois de devorar os humanos se reproduzem em massa para posteriormente invadirem outro planeta. O ponto forte deste álbum é ser um hino à poesia de cimento armado do espaço urbano, à verticalidade massiva do betão desolado, ao entrechocar de planos verticais e horizontais dos prédios desertos. Com insectos gigantes gelatinosos à mistura.



The Massive: num futuro próximo, a subida do nível dos oceanos afundou as principais cidades mundiais e provocou um colapso sistémico ambiental, financeiro e social. A tripulação do navio Das Kapital, eco-activistas liderados por ex-mercenários desiludidos com a amoralidade da guerra a pronto pagamento, busca o seu navio irmão The Massive perdido algures nos vastos oceanos. Pirataria de alto mar, negociatas com senhores da guerra somalis ou explorações de bases auto-suficientes na antártida são algumas das peripécias de uma história que nos transporta por um futuro plausível onde o aquecimento global trouxe novas propriedades à beira mar.



The Manhattan Projects: é difícil descrever ou definir este comic. Digamos que o nível de estranheza é elevadíssimo. Reinventa o projecto atómico original como uma cobertura para investigações científico-esotéricas e leva os principais personagens ao absurdo, com Oppenheimer dividido por personalidades múltiplas ou Von Braun como cyborg. E comandos suicidas de assassinos budistas nipónicos que atravessam portais para assassinar os pesquisadores americanos.



Reamde: tenho uma relação de paixão/desilusão com a prosa de Stephenson. Sou fã assumido desde que li o seminal Snow Crash mas desde o Cryptonomicon que a coisa tem andado a descarrilar. Stephenson está cheio de ideias interessantes, tem o dedo no pulso da sociedade contemporânea no que toca aos impactos tecnológicos e cria conceitos divertidos para nos mostrar as complexidades da modernidade. Infelizmente, cede à tentação de escrever em excesso e um livro que mais curto seria genial arrasta-se penosamente em centenas de páginas infindas, com uma prosa hiper-real que desvenda até à exaustão os mais ínfimos detalhes das situações. O que desperta o interesse e estimula perde-se num tijolo perigoso para a ecologia. É curioso notar que há uma tendência para colocar no mercado livros cada vez mais volumosos e subdivididos em tri-tetra-pentalogias, o que sobe a contagem de páginas até aos milhares. Porque é que isto acontecerá? Um espírito economicista de more bang for your buck, de pagar a obra e ser recompensado com um empanturrar digno de um banquete com o Sr. Creosote? Há poucos dias Warren Ellis resmungava no seu twitter que uma crítica feita ao seu novo livro, Gun Machine, o zurzia porque com 340 páginas era um livro muito pequeno. Bizarra, esta ideia contemporânea de que um livro para ser bom tem de ser gargantuesco, provocar lesões nas articulações e colocar em perigo florestas abatidas para imprimir extensas prosa, de tal forma insufladas que o seu interesse se desvanece na obesidade literária.



Estas foram as sugestões de leitura que levei à edição de 2012 do Fórum Fantástico. Tinha mais, mas o tempo não era muito. Felizmente na blogoesfera o tempo é relativo e depende do observador, por isso cá ficam aquelas sugestões que gostaria de ter dado mas não dei:


Hav, de Jan Morris: uma viagem imaginária pela história e cultura de um local inexistente, inspirado nos acidentes da geografia e história colonial. Local exótico, colisão entre o oriente imaginado e o ocidente conceptualizado.
Atomic Robo, de Brian Clevinger e Scott Wegener: bem humorado e indestrutível, este robot criado pelo decano Nikola Tesla homenageia o lado divertido da FC com aventuras inspiradas na iconografia dos clássicos de série B sem se dispersar com sentimentalismos complexos ou pseudo-ciência levada a sério. Na sua melhor aventura, tem de viajar ao longo do tempo para combater um horror lovecraftiano, mas... a viagem é feita da maneira dura. Um dia de cada vez.

E de fora continuam leituras como o divertido prazer puro de Jeff Lemire a escrever Frankenstein Agent of S.H.A.D.E., Alex Ross a canalizar a estética de Alex Raymond em Flash Gordon: Zeitgeist, os deliciosos infodumps de David Brin em Existence, o surrealismo melvilliano de China Mièville em Railsea, a sátira bem humorada aos lugares comuns da FC audiovisual de John Scalzi em Redshirts, a elegância do traço sóbrio e evocativo de I. N. J. Culbard em At The Mountains Of Madness, o prazer que foi ler a mistura do substracto cultural português e esoterismo em O Sangue e o Fogo de António de Macedo nas penedias da serra da Estrela, e a descoberta do horror na transição entre o barroco e o gótico de Álvaro do Carvalhal nos seus Contos.