segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Global Style

Devo confessar que ando com um fascínio pouco saudável pelo mais recente vírus aural a alastrar pela cultura global como fogo em mato seco encharcado de gasolina. Sim, é uma sonoridade sofrível e uma iconografia kitsch. Mas tornou-se a mais recente metáfora do espírito do tempo: uma cultura global hipermoderna, apátrida, deslocalizada, cujos elementos essenciais são identificáveis em qualquer ponto do globo.

Comecemos pela sonoridade, um ritmo synth-pop electrónico repetitivo que penetra no ouvido e se agarra como uma carraça ao cérebro. Poderia ter saído de algum músico europeu ou norte-americano e não é muito diferente de boa parte do ruído melódico que enche ondas hertzianas, mas tem uma enorme capacidade aditiva. O vídeo é um primor de alienação hipermoderna. Grupos de modelos esculturais dançam de forma aparentemente aleatória em movimentos inspirados nos traços de um personagem de comics. Um cantor agita-se e pronuncia palavras incompreensíveis em cenários anónimos, entrecortando planos de filmagem com a rapidez de metralhadoras movidas a anfetaminas.

Canta-se e dança-se em cenários anónimos. Recreios, estações de metropolitano, parques de estacionamento, descampados à sombra de passagens aéreas de vias rápidas, bairros de arquitectura internacional, discotecas. Espaços definíveis como não-lugares, espaços anónimos que são tão iguais nos subúrbios de Astana ou Lisboa, de Tokyo ou Nova Iorque. São visões que nos recordam esse paradigma da hipermodernidade arquitectónica que e o Dubai, sublinhado pelo tom quente das cores do vídeo. Os sonhos de Walter Gropius e Le Corbusier infectaram as urbes globais com um ballardianismo desolador. Os espaços da modernidade são apátridas, uma iconografia de uma cultura própria de cimento armado que se estende através das radiais e auto-estradas das cidades que albergam as massas ululantes da população urbana.

Não há fatos tradicionais ou vestimentas que identifiquem os protagonistas. Sabemos que são sul-coreanos mas nada nos seus gestos e roupa nos transmite isso. Vestem-se num estilo internacional colorido, tão igual nas ruas de Seul como de Londres ou Vladivostok. Novamente, os atavios são indistinguíveis. É a exposição de uma cultura visual de trajes de centro comercial com franchisings globais.

Algumas palavras no inglês internacional são inteligíveis no meio de uma algaraviada que fará todo o sentido para quem entenda coreano mas que para as audiências globais tanto poderia ser polaco como azeri ou japonês. A incompreensibilidade da canção torna-a numa tela em branco, onde quem ouve projecta a sua imaginação. A cultura global da internet agradeceu e agraciou-nos com uma avalanche de versões, sátiras e interpretações de um original que espelha uma iconografia amena que se recicla a si própria em ciclos recursivos.

Estarei a ver muita coisa naquilo que é a mais corrente iteração das manias da interweb, o nyan cat do final de 2012, que explode na consciência global e depressa é varrido por outro fenómeno viral? Ou será o gangnam style um sintoma de uma cultura global que esbate diferenças locais com uma uniformidade internacional? Olhemos por onde olharmos, é inegável que é mais um ciclo do pulsar da consciência global energizada pelos bits e electrões da internet.