segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Doctor Solar, Man of the Atom

Jim Shooter, et al. (2011). Doctor Solar, Man of the Atom Vol. 1. Milwaukie: Dark Horse Comics.

Há pouco de inovador ou intrigante no género dos comics de super-heróis. Trocam-se as cores dos uniformes e as iconografias, modifica-se o gravitas da personagem, mas fundamentalmente é tudo similar. É aí que reside o seu encanto, um género de cultura popular previsível e mutável dentro de estreitos limites do expectável. Uma versão literária do hamburguer gastronómico. Apesar de limitado e estereotipado, o género tem espaço para inventividade que nas mãos de alguns autores se traduz em voos quase psicadélicos, ou impactos de estranheza que se entranham na cultura popular.

Doctor Solar, Man of the Atom é um personagem clássico da era atómica. Na sua primeira encarnação, era um banal super-herói cujos poderes lhe foram concedidos por um acidente atómico. Mas às mãos do veterano Jim Shooter, numa das periódicas reinvenções que estes personagens sofrem com a evolução dos detentores dos seus direitos de autor, transformou-se em algo... interessante.

Shooter actualiza o mito original com uma boa dose de pseudo-ciência com fortíssimos toques de ficção científica. Nesta encarnação, da existência do personagem depende a existência do universo, os seus poderes manifestam-se na manipulação das forças físicas elementares e o obrigatório arqui-inimigo funciona como uma espécie de anti-partícula negativa oposta à força positiva de Solar.

O acidente provocado por sabotagem que transforma o ambicioso físico Dr. Solar num super-ser destrói o universo. Num esforço de busca por fontes de energia limpa, uma equipe de investigação prepara-se para criar e estabilizar um mini buraco negro, mas a morte acidental de um sabotador torna o buraco impossível de conter e arrasta o incauto cientista. Arrastado para o horizonte de acontecimentos do buraco, morre em nano-segundos, mas no interior do buraco o tempo estende-se até ao infinito. Num segundo muito longo, os restos da sua consciência percebem como manipular as forças físicas elementares e reconstituem o corpo... e com isso todo o universo. Com algumas anomalias, para a coisa ficar interessante.

A premissa elementar de Doctor Solar é que a consciência humana se manifesta pela manipulação de campos quânticos elementares cujo efeito pode sobreviver à aniquilação da sua fonte. Pois. A extraordinária ciência dos comics. A reconstituição do corpo de Solar pelos restos quânticos da sua consciência salva, literalmente, o universo e dota-o de poderes sobre as partículas elementares. O que é útil: deixa de precisar de telemóveis para comunicar, transforma-se em ondas de radiação, manipula directamente os bits digitais embora continue a sentar-se frente ao ecrã porque, enfim, há metáforas irredutíveis.

O seu arqui-inimigo é um homem sinistro, rico e poderoso, que pretende refazer o mundo à sua imagem e que adquire poderes equivalentes aos de Solar através de uma recriação digital hiper-realista do colapso do buraco negro. Leram bem. Recriar uma simulação confere poderes na realidade. Interpretação divertida das teorias sobre universos holográficos.

Talvez os mais intrigantes adversários de Solar sejam criaturas incompletas saídas da imaginação de um escritor sem talento. Personificações dos estereótipos do género, são forçados pela forma como foram descritos a agir conforme o previsto por argumentos mal escritos. Uma brincadeira bem humorada com os limites e os hábitos do género dos comics.

Sem ultrapassar os limites estereotipados do género, Doctor Solar é uma leitura divertida com um toque pseudo-científico que insufla ficção científica na nostalgia da era atómica.