Confesso. Nas longas viagens pelas auto-estradas do país, tenho um vício para combater o tédio do asfalto e do borrão verde da velocidade na paisagem: ouvir rádios populares, locais, que passam a música popular portuguesa que nós sobranceiramente apelidamos de pimba. Que é sempre igual e levemente ridícula. Mas permite momentos e tem letras que são verdadeiras pérolas.
A voz fanhosa de menino do locutor que não se entendia bem com os botões de volume pergunta ao ouvinte que telefona a quem gostaria de dedicar uma canção. "Ê gostava de dedicar esta música prá minha mãe, minha mulher, filhos e gente da aldeia". E o que é que sai? Quim Barreiros a cantar "bonito bonito é os tomates a bater no pito". A sério. Freudiano com laivos de qualquer outra coisa de inominável. Dedicar isto aos filhos dá um certo ar de incesto pedófilo. E quanto aos vizinhos... bem, cada um sabe das suas vidas e das suas aldeias. Filhinho orgulhoso da mamã, que lhe dedica lindas canções.
Após saltitar entre frequências, regresso à estação da pérola anterior e deparo-me com uma canção de elevadíssimo nível poético.
"Se estiveres a ver o céu azul sem nuvens
e começar a chover
são as minhas lágrimas que molham o teu corpo".
Suave, lamechas e levemente surreal. A estrofe seguinte dá um novo ar à canção:
"Se fores ao cemitério e a minha campa estiver molhada
são as lágrimas que os meus olhos verteram por já não te poder ver".
Ui. Música pimba com um toque gótico em tons de bailinho da paróquia.
Pérolas. Tesouros ocultos nas ondas hertzianas que cobrem as vastidões interiores deste país. Escrevo estas palavras com um sorriso nos lábios. A malandrice intencional soa sempre mal, mas a inocência poética faz ir às lágrimas com riso.