Ou ando coscuvilheiro ou as pessoas falam em tons de voz muito altos. Ou então são as duas coisas. Por muito que se ignore o ruído verbal que nos atravessa nos espaços urbanos, há conjugações de palavras que fazem blip no radar.
Esplanada do Centro Cultural de Belém, advogado a conversar em voz muito audível com a amiga recém-divorciada sobre direitos e deveres paternais. De repente, "com esta conjuntura fazes o quê. Vais pôr uma bomba no parlamento?"
"Esse deck não interessa nem ao menino jesus", diz o pai geek ao filho com idade pré-alfabetizada enquanto analisa a oferta de baralhos pokemon numa Fnac. "Vê lá se prestas atenção", sublinha, embora o miúdo de idade e tamanho não estivesse particularmente interessado nas minudências otaku das cartas de jogos RPG.
"Andei a contar as minhas camisas azuis às riscas brancas e brancas às riscas azuis, por causa da minha obsessão, e dei com umas quarenta", ouço atrás de mim na sala da Cinemateca. Sorri, mas depois olhei para a minha camisa. Pois, azul clara com riscas brancas e azuis escuras. Também sofro do mesmo gosto obsessivo.
"Adoraria aprender alemão, para ler Hegel. E Goethe", ouço algures na fila de cadeiras atrás da minha numa Cinemateca onde as luzes diminuíam de intensidade antes da projecção de um filme de Fassbinder. "Olha, aqui há dias estava no Pingo Doce e dei por mim a tentar recitar aos limões aquele texto de Goethe sobre limões". O poema chama-se Mignon (maravilhas do Google que chegou lá com uma simples pesquisa sobre Goethe e lemons). As primeiras estrofes versam assim: "Do you know the land where the lemon-trees grow,
In darkened leaves the gold-oranges glow,
A soft wind blows from the pure blue sky,
The myrtle stands mute, and the bay tree high?
Do you know it well?
It’s there I’d be gone,
To be there with you, O, my beloved one!"
E, quem sabe, da próxima vez que olhar para um limoeiro... me lembre de os recitar.