segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Captain America



É interessante ver o que a Marvel anda a fazer aos seus personagens. Detentora de um universo coerente nos comics, está a apostar no cinema tecendo uma nova teia de relações que, em breve, lhe dará uma continuidade fílmica entre diferentes personagens. Não é por acaso que este filme se intitula First Avenger, apontando para futuros filmes com outros personagens. A continuidade em filme não é muito fiel à de banda desenhada, mas a Marvel conhece e aposta na diferenciação de públicos. Quem vai ao cinema ver um dos filmes do género não é normalmente conhecedor profundo das histórias dos comics e a editora está claramente a apostar na criação de um universo ficcional coerente para este público.

Captain America é o que pretende ser, puro entretenimento despretensioso com forte aposta na estética e mise-en-scène que mergulha as audiências das salas de cinema de chapa na mitografia do mítico personagem. Os puristas dos comics ficarão desagradados com as escolhas do argumento, mas o público-alvo é mais abrangente. Sendo essencialmente um recontar da lenda do Capitão, perde-se muitas vezes em cenas de acção desconexas que se afastam do arco narrativo.

Há pormenores estéticos curiosos no filme, com um visual que alterna entre o gritty dos campos de combate, um high-tech com cheirinho a Jack Kirby nas cenas que incluem a sinistra organização Hydra e uns momentos reminiscentes de Busby Berkeley a reviver a estética de quadricromia estilizada dos comics originais dos anos 40. E o enorme easter egg da visita à exposição mundo do futuro em Nova Iorque é um mimo. No entanto, a versão 3D parece atabalhoada e vive de enquadramentos à Edison. Nos primórdios do cinema os estúdios Edison vendiam o filme The Great Train Robbery com uma cena adicional opcional que à época atraía público às incipientes projecções: um close-up de um cowboy a disparar o revólver frente à audiência. Para um público para quem a imagem em movimento era uma novidade absoluta, esta cena era suficiente para fazer disparar a adrenalina, quase como se um personagem real disparasse sobre o público. É reminiscente ao que se conta das primeiras projecções de Lumière em Paris, onde as audiências fugiam em pânico das cenas de um comboio a entrar na estação. A história repete-se, e a moda corrente do cinema em 3D Estereoscópico utiliza muito este artifício, com cenas onde objectos parecem voar em direcção ao espectador. Confesso que até agora apenas um filme, Pina de Wim Wenders, me impressionou por apontar para uma estética própria na utilização da ilusão de profundidade estereoscópica. Todos os outros ficam-se pelo artifício ilusório para chocar o espectador.

Para os puristas dos comics, o filme comete algumas iniquidades. A origem do personagem é revista e há pormenores fortemente alterados. Para mim, foi irritante ver um Dum-Dum Dugan com ar escocês mas sem qualquer sotaque e chocante no final do filme um Nick Fury... negro. Se a recriação do Capitão América é convicente, o arqui-inimigo Red Skull falha muito com um aspecto visual que é demasiado semelhante a uma versão vermelha de The Mask. Não é muito aterrorizante ou intimidante.