sábado, 12 de fevereiro de 2011
Black Swan
Podemos tentar interpretar este filme. Há todo um conjunto de fiapos de histórias, filamentos de subtexto que dão complexidade e profundidade a este filme. Podemos olhar para as pressões do mundo de um show business muito peculiar, as manigâncias do lascivo director da companhia de dança, a mãe hiperprotectora que projecta sobre a filha os seus sonhos perdidos, ou a descoberta de si própria em dimensões inesperadas levada a cabo pela principal personagem deste filme. Mas deixo interpretações destas para quem for mais pretensioso e tiver medo de mostrar que adorou um simples filme de monstros à moda antiga.
O ritmo do filme é admirável. Inicia-se com um passo glacial e vai acelerando subtilmente, até que damos por nós num final explosivo. Como o ritmo preciso de uma sinfonia. O realizador e o director de fotografia fizeram o trabalho de casa e por isso esta obra respira o estilo de Degas, o pintor impressionista que se dedicou a pintar os ballets parisienses. Há pormenores de cena que são subtis homenagens a este pintor. Por vezes mal se notam, como as três bailarinas em pose de quadro de Degas que observam a acção em primeiro plano. O trabalho de câmara é espantoso, particularmente nos momentos em que nos transporta literalmente para a sensação da dança, e sempre com uma complexa alusão a reflexos que persegue todo o filme. Apesar de viver de efeitos especiais, estes foram criados com uma mestria assinalável e sujeitos à estética do filme e não como imagens de deslumbre para cativar o espectador. O CGI de altíssimo nível é subtil, por vezes mal se notando, sublinhado com uma imagem granulosa a puxar a estética cinematográfica para um certo low res.
Diga-se o que se disser, este é um filme de monstros à moda antiga, que vai dando vislumbres da criatura e sugerindo-a psicologicamente até ao final cataclísmico que nos revela o monstro em todo o seu esplendor. Conhecedores do cinema de terror clássico vão reparar nas míriades de referências, easter eggs visuais ou situacionais, por vezes pequenos enquadramentos de câmara. Perto do final, há uma cena de poucos segundos a mostrar a orquestra e o público que nos faz regressar ao Fantasma da Opera. E repare-se como a caracterização da cisne negra nos remete para a noiva de Frankenstein de James Whale.
Revisitando um dos mais clássicos ballets de Tchaikovsky, conhecido até à exaustão, Aronofsky consegue fascinar e homenagear todo um cinema de terror clássico que não depende de choques para surpreender. Black Swan é um dos filmes mais surpreendentes que vi recentemente.