domingo, 26 de dezembro de 2010

Horns



Joe Hill (2010). Horns. Nova Yorque: HarperCollins

Há um toque eminentemente kafkiano neste último romance de Joe Hill. Tal como o protagonista de A Metamorfose, Ig Perrish, o anti-herói desta obra, acorda um dia a descobrir que algo nele mudou fisicamente. Mas em vez de se descobrir progressivamente insecto, percebe que na sua testa nasceu um par de cornos, e que estes influenciam decisivamente a forma como os que o rodeiam lidam com ele.

Essencialmente, Ig transforma-se num diabo. Eterno suspeito de um assassínio que não cometeu, a sua influência libertadora de morais e bons costumes leva-o a descobrir os segredos mais íntimos de todos os que dele se aproximam, e a perceber que consegue influenciar os seus comportamentos, desde que a predisposição para o mal esteja presente. Em fuga de si próprio, acaba por colidir na verdade sobre o violento assassínio da sua ex-namorada, uma verdade com diferentes camadas onde descobre que o seu melhor amigo, um homem ligado à religião com impulsos muito pouco santificados, é o assassino da mulher que sempre amou, e que esta o tinha deixado não por vontade de viver a vida mas para o poupar ao sacrifício de estar ao lado dela num futuro curto, assombrado por um cancro incurável.

O curioso nesta obra é que o diabólico personagem principal é talvez aquele que menos pratica o mal. Vinga-se, macabramente, mas aqueles que publicamente se assumem como pessoas de bem surgem neste livro como vítimas de pulsões interiores que as colocam definitivamente no campo oposto ao que aparentemente pertencem. Aqui, o diabo da história acaba por ser um espírito benéfico, torturado pelas suas memórias mas consciente de que com pequenos empurrões os que o rodeiam podem melhorar a sua vida. É uma paradoxal reflexão sobre a mitologia clássica de deus e dos demónios, reversos de uma mesma medalha.