sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O Elemento



Ken Robinson (2010). O Elemento. Porto: Porto Editora.

Porto Editora | O Elemento.

As ideias peculiares de Ken Robinson tornaram-se conhecidas graças às suas duas fabulosas apresentações nas conferências TED. Foi aí que tomei contacto com ele, não por estar presente na conferência (o preço de 10.000 dólares por bilhete é um pouco desencorajador) mas por ser de visualização obrigatória na cadeira de Internet na Educação da parte curricular do meu mestrado. Essa conferência, a primeira que proferiu, literalmente explodiu na minha cabeça. Não só pelo brilhantismo e capacidade comunicacional de Robinson, mas também por ressoar com muitas das minhas ideias e intuições como professor que apesar de cada vez mais espartilhado pelos constrangimentos do sistema de ensino me defino como de ensino artístico, onde cada vez mais sinto que as regras tão badaladas sobre aprendizagem (em particular a moda dos resultados estatisticamente medíveis) não se aplicam se queremos que as crianças desenvolvam a sua criatividade.

Este livro vem apresentar de forma mais detalhada as ideias do autor sobre criatividade, educação e, essencialmente, realização pessoal. Não é uma obra muito profunda, sendo claramente destinada como divulgação para audiências abrangentes. Soa de forma muito similar às suas conferências e vive de inúmeros exemplos de histórias de vidas que alcançaram sucesso de formas não convencionais.

Há um certo risco de considerarmos este livro como mais um daquelas toneladas de obras de auto-ajuda, cheias de frases bonitas mas vazios de significado, com boas doses de psicotreta à mistura. Sentimos isso quando Robinson nos define o tal elemento, aquilo que dentro de nós faz despertar a faísca criativa e leve a que nos dediquemos a algo com paixão, e urge os leitores a ultrapassarem as diferentes barreiras que descreve, do conformismo social aos espartilhos educacionais num processo de busca do seu elemento individual. Um pouco mais de profundidade nesta obra retiraria esse risco, mas por outro lado certamente diminuiria o seu apelo para as massas.

O Elemento não deve ser lido como um evangelho a ser cumprido religiosamente, mas como uma profunda reflexão sobre o corrente estado da nossa sociedade. Os progressos sociais, educativos e económicos das últimas décadas levaram a que para uma grande parte dos habitantes do mundo desenvolvido já não tenham que levar uma existência subserviente. Já não somos servos, analfabetos agarrados à enxada incapazes de ver para além do curto horizonte. Com níveis de educação e conforto económico a subir (estou a falar a longo prazo, claro) sentimos aspirações que noutras épocas estariam reservadas a classes sociais mais estratificadas. É daqui, penso, que surge o impulso que leva Robinson a debruçar-se tanto sobre criatividade e realização individual. Nas sociedades modernas, queremos viver vidas interiormente recompensadoras.

O aspecto económico também não é de desconsiderar. Vivemos neste momento na revolução pós-industrial, definida pelos teóricos que a observam (Virilio, Castells, Giddens, Lipovetsky, Toffler e outros) como a emergência (emergência de emergir, não de catástrofe) da sociedade do conhecimento. Este factor é sublinhado sempre que assistimos a deslocalizações fabris em direcção ao extremo oriente. A China pode ser uma enorme potência económica, mas é-o porque manufactura os produtos que são criados no mundo ocidental. Somos cada vez mais uma sociedade baseada na informação, onde competências críticas e criativas substituem as competências mecanicistas da era industrial. As indústrias ocidentais com maiores ganhos são indústrias criativas, quer ao nível mediático, de concepção de produtos ou financeiras (a criatividade financeira à solta tem os seus riscos, como infelizmente prova a corrente crise económica). E as pessoas que são bem sucedidas são aquelas que são mais flexíveis na gestão dos fluxos de informação.

Apesar de tudo, o sucesso pessoal é algo de relativo. Não é medível apenas em padrões financeiros ou materiais. O sentimento de realização pessoal, alicerçado nas possibilidades que o alargar da educação nos mostra, é talvez o facto mais importante na individualidade contemporânea. Tudo o que Robinson nos diz sublinha isso.