segunda-feira, 22 de novembro de 2010
A Luz Miserável
David Soares (2010). A Luz Miserável. S. Pedro do Estoril: Saída de Emergência
SdE | A Luz Miserável.
David Soares volta às estantes com uma obra de contos com a sua inimitável marca tenebrosa. A Luz Miserável continua a sublinhar o estatuto deste autor, a melhor e mais prolífica voz do lado negro da literatura fantástica portuguesa com três contos cuidadosamente talhados.
A Sombra sem Ninguém cruza uma medium capaz de tornar visíveis espíritos de luz e um homem que se tornou invisível, numa tentativa de consequências imprevisíveis de corporalizar o invisível. A Luz Miserável, conto que dá o título e o mote ao livro, mescla memórias de atrocidades da guerra colonial com o medo de envelhecer e bruxaria escatológica africana naquele que é o conto mais perturbante do livro pela mistura de situações perversas que mostram que os monstros não estão sempre onde pensamos que estão. Rei Assobio regressa à escatalogia de O Evangelho do Enforcado, trabalhando as frustrações individuais e a violência vinda da incompreensão das massas com horrores milenares na aldeia que Soares mitifica como a Dunwich portuguesa.
Os três contos contidos neste livro socorrem-se de uma prosa pesada, quase gongórica, para estimular os sentidos numa mescla de registos surreais e tenebrosos, numa escatologia visceral tão própria deste autor. O obscurantismo intencional das palavras recorda-me a prosa de Lovecraft, também caracterizada por um registo trabalhoso que é um dos seus encantos. Ao ler A Luz Miserável dei por mim a comparar estes contos com os de J. G. Ballard, como dois lados da moeda que é o conto fantástico. Ballard era notório pela clareza brilhante das suas descrições surreais, geradora de imagens mentais precisas, e David Soares, com a sua linguagem trabalhada e rebuscada, traça imagens igualmente precisas na mente do leitor, apesar de imagens vindas das trevas. É um pouco como colocar lado a lado as cores e a luz brilhantes de Dali com o claro-escuro de Fuseli.
A voz deste autor que nos continua a deslumbrar com as suas visões precisas e negras da imaginação está firmemente estabelecida no panorama literário português.