domingo, 14 de novembro de 2010
Fórum Fantástico 2010
Acabadinho de chegar de Lisboa onde aproveitei o fim de tarde de ontem para assistir ao Fórum Fantástico 2010. Não consegui chegar a tempo do painel sobre Lisboa Fantástica e da mostra de curtas-metragens, assisti apenas às conversas com escritores que lançaram obras nesta edição do fórum.
Estas iniciaram-se com a apresentação de A Luz Miserável por David Soares. Este escritor, talvez o melhoro do género em Portugal, apresenta-se com uma figura imponente e ao longo da apresentação surpreendeu pelo seu ideário muito próprio. Curiosas as suas opiniões sobre o verdadeiro horror - o acaso terrível que por vezes nos surpreende no quotidiano, ao invés das visões fantásticas tidas como assustadoras, e a sua opinião do conto, particularmente pela sua capacidade de criar pérolas do conto de horror. Seguiu-se Ricardo Pinto, que me levou a matutar nas incongruências da globalização: nascido em Portugal, vive na Escócia desde os seis anos e publicou uma trilogia de fantasia épica agora traduzida para português. É curioso, ser meio português, escrever em inglês e ter livros traduzidos para a língua materna. Um pouco como John dos Passos, embora desconheça se este sabia falar português. A sua conversa sobre os dez longos anos que demorou a escrever a trilogia, com uma atenção obsessiva a todos os detalhes, descrita pelo autor como uma prisão interior, trouxe-me à memória Henry Darger, o velhote solitário em cujo apartamento, após falecer, foi encontrada uma vasta obra épica, estranha e intimista com uma mitologia pessoal concretizada em desenhos de grandes dimensões, que se tornou um dos maiores expoentes da outsider art.
Stephen Hunt, na apresentação de A Corte do Ar, falou sobre Steampunk e visões tecnológicas. Fiquei com vontade de ler o livro, com um pré-lançamento em edição limitada neste evento, mas o orçamento mensal não mo permitiu. O que não me impediu de mais tarde na Fnac adquirir o Cages completo de Dave McKean. As minhas escolhas economicistas raramente fazem sentido. Finalmente, Peter Brett falou da sua série de romances que se recusou a definir como fantásticos ou pós-apocalípticos enquanto o seu editor português justificou a mudança de nome da chancela - de Gailivros para 1001 Livros. A aposta no terror e no fantástico começa a colidir com o negócio tradicional da editora na literatura infantil e manuais escolares, surgindo a necessidade de diferenciar a chancela. Estou mesmo a imaginar uma reunião de escolha de manuais escolares onde os docentes se assustam com a possibilidade de escolha livros da Gailivros. "Mas essa não é uma editora que também tem daquelas coisas com demónios e livros que assustam? Isto não deve ser apropriado para as crianças..."
Não me surpreenderia se tal acontecesse. Já assisti a coisas mais estranhas, como aquando da escolha de um manual de EVT cujo principal argumento que o design era de Henrique Cayatte (conceituado designer gráfico, autor da imagem do jornal Público, entre outros trabalhos) mas que ao fim de um mês de utilização se revelou totalmente desadequado como material de apoio pelos docentes que o utilizaram. Como pessoalmente não recorro aos manuais na minha prática pedagógica essas guerras passam-me ao lado, mas é sempre bom observar....
Finalmente, tempo para uma sessão de autógrafos, onde aproveitei para solicitar um autógrafo na minha recém-adquirida cópia de A Luz Miserável, livro que tem um cheiro peculiar. Foi também oportunidade para conhecer David Soares in real life, já que nos havíamos previamente cruzado nos espaços virtuais. Isto é coisa que nenhum ebook pode oferecer - o prazer de ter uma obra autografada pelo escritor.
Também não deixei de reparar em João Barreiros, talvez o decano da Ficção Científica portuguesa, e o seu iPad. Se soubesse que o iria encontrar, teria trazido a minha cópia de Terrarium e do Caçador de Brinquedos e Outras Histórias, da saudosa colecção de capa azul da Caminho. Tentei arranjar coragem para o cumprimentar e me confessar fã incondicional, mas enfim. Fica para uma próxima.
O Fórum Fantástico 2010 ainda continua durante o dia de hoje na Biblioteca Municipal de Telheiras. Esperemos que para o ano se renove, sinal que a massa crítica do fandom português de FC e Fantástico atingiu um dinamismo capaz de sustentar eventos deste género.