quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Inception
IMDB | Inception
Um amigo meu é da opinião que o melhor de alguns filmes é o seu trailer, que condensa as melhores cenas e as pérolas visuais que a obra tem para nos oferecer. Quando entramos na sala de cinema, esperando ser deslumbrados com o que as imagens do trailer nos adoçou a boca, ficamos antes suspensos durante hora e meia de pura banalidade com um ocasional momento de brilhantismo pontual. Mas até Henry Miller, num raro momento de generosidade, escreveu que nos piores livros há sempre uma página, um parágrafo que vale a pena ser lido. O problema é suportar as restantes páginas.
Nas mãos de um realizador ou de um argumentista capaz, Inception poderia ser um filme brilhante, capaz de atingir o estatuto de filme de culto e clássico do cinema de ficção científica. Demasiado contaminado pelos constrangimentos do big budget e correspondente necessidade de lucro rápido, este não passa de mais um filme banal e previsível, cuja premissa interessante se fica por mais uma variação do tema bons rapazes aos tiros contra maus rapazes.
É no seu conceito, e em momentos brilhantes de onirismo tornados possíveis pelo corrente estado da arte, que este filme tem algum valor. A premissa é fascinante: um grupo de ladrões especializou-se em assaltos que se passam dentro da mente das suas vítimas, construindo elaborados cenários oníricos para conseguir roubar segredos ocultos. É um interessante tirar de chapéu às elaboradas construções mentais dos praticantes da mnemónica, os célebres palácios da mente com um toque de Borges (faz vir à mente o conto Tlon, Uqbar e Orbis Tertius onde os sonhos se vão concretizando na realidade) e à ideia contemporânea de que o maior valor se encontra na posse de informação. Construtores de elaborados e detalhados mundos virtuais mentais, estes criminosos dentro dos sonhos controlam a realidade que elaboram.
Infelizmente, o filme desenvolve-se em linhas holliwoodescas de filme de acção, com previsíveis tiroteios, perseguições e explosões, com um toque melodramático de romance Harlequin. O que sobra do filme são algumas potentes e surreais imagens fortemente icónicas, como a cidade de Paris a dobrar-se sobre si própria num laço de möbius ou as profundezas dos sonhos, representadas por uma cidade modernista fria, ao estilo de Le Corbusier, que se desagrega no oceano de forma reminiscente da fase catastrofista da literatura de J. G. Ballard.
Ver este filme é tempo perdido. Fiquem-se pelo trailer e tentem imaginar o que poderá estar para lá das imagens poderosas que este desperta.