terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Mirrormask



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Os conhecedores do mundo dos comics e literatura fantástica já se habituaram ao deslumbramento com as obras saídas da parceria entre o escritor Neil Gaiman e o ilustrador Dva McKean. Gaiman é sobrejamente conhecido pela sua obra literária e como argumentista de banda desenhada. McKean é conhecido pelo seu influente e arrojado trabalho de ilustração, que junto com o estilo de Bill Sienkiewicz e mais recentemente de Mike Mignola trouxe aos comics mainstream um novo fôlego gráfico, livre das convenções tradicionais - e habituou os fãs a níveis de estilo que permitiram a outros autores publicar comics com estilos pessoais dentro dos catálogos mais populares.

A já longa parceria entre estes dois criadores legou-nos obras como as bandas desenhadas Violent Cases, Mr. Punch e Signal to Noise, qualquer delas de leitura incontornável para conhecer os lados mais literários da banda desenhada. Na literatura infantil, obras como The Wolves In The Walls ou O Dia Em Que Troquei O Meu Pai Por Um Peixe marcam pelo seu grafismo arrojado, mesmo para os padrões altamente experimentais do género, onde se podem encontrar verdadeiras pérolas da ilustração. Não se pode deixar de referir o longo período de Gaiman à frente da série The Sandman, cujos números contavam sempre com uma deslumbrante capa de McKean (a deixar desilusões após a sua abertura, porque apesar da série contar com um núcleo de ilustradores de peso poucos eram aqueles que nas limitações estilísticas e temporais dos comics conseguiam aproximar-se do estilismo de McKean).

Mirrormask é a tradução da genial parceria para o mundo das imagens em movimento. McKean andou a experimentar adaptar o seu estilismo ao cinema, realizando curtas metragens (algumas das quais disponíveis no YouTube) que misturam imagem real com animação, animatrónica e 3d, reunindo com isso o know-how e uma equipa que permitem voos mais altos. Gaiman contribui com uma das suas marcas pessoais, uma história sobre uma adolescente dividida entre os sonhos e fantasias e a necessidade de crescer, com o risco de perder o seu onirismo no processo. Este género de histórias é talvez uma das grandes razões do sucesso de Gaiman, pois tocam uma corda dentro de nós - quem não se sentiu, e sente, dividido entre as necessidades da dura realidade e a vontade de penetrar em espaços fantásticos, onde a liberdade do espírito humano não é esmagada pelo cinzento realismo? Também ajuda a explicar o sucesso das ficções e religiões.

O argumento, linear, segue a natural progressão deste género de histórias. Helena, a protagonista, vive com os pais num circo ambulante. O seu mundo é virado ao contrário quando a mãe é hospitalizada e o pai fica em risco de perder o seu circo. Helena entra dentro do seu mundo interior, onde vai viver uma aventura que se interrelaciona com o mundo real, e no processo resolver os seus conflitos interiores.

Mais do que uma história cativante, Mirrormask agarra pelo seu grafismo. Não é muito comum, mesmo entre o cinema de fantasia, a criação de imagens tão arrojadas. O estilo surreal, de mistura e colagem, de grafismo riscado e cores de terra, é traduzido em movimento, aquela dimensão que por vezes faz tanta falta à ilustração. O resultado são cativantes imagens saturadas, realizadas com uma mistura de efeitos especiais, animatrónica e 3d, que dão ao filme um carácter surreal que não deixará qualquer espectador indiferente.

Apesar da promessa, Mirrormask deixa qualquer coisa a desejar. O argumento de Gaiman é previsível e linear, sem nos dar grandes surpresas. De qualquer forma, um argumento previsível de Neil Gaiman é vastamente melhor do que a esmagadora maioria dos filmes de sucesso que andam por aí. Para os conhecedores da obra de McKean, a tradução do seu estilo gráfico ao cinema, com um visual limpo, parece àquem do esperado para quem nos habituou a imagens expressivas com um grafismo pouco limpo. Espera-se mais desta dupla criativa, e isso reflecte-se na recepção assimétrica que o filme teve entre a crítica. Mas Mirrormask não é um falhanço. É um filme fascinante, em particular para os fãs do género, dos autores ou de estilismos visuais.